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CLÓVIS ROSSI
Desconfiar. Sempre
SÃO PAULO - Já foi quase tudo dito sobre a Guerra do Iraque, cinco
anos após a invasão. Só faltou, acho,
uma palavrinha sobre jornalismo,
afinal, o único assunto de que entendo algo, menos do que gostaria e
deveria, mas algo.
O jornalismo norte-americano
cometeu, cinco anos atrás, o pecado
mortal de aceitar acriticamente a
informação de que havia armas de
destruição em massa no Iraque de
Saddam Hussein. Tampouco me
pareceu suficientemente enfático
em estabelecer a diferença entre a
delinqüência da Al Qaeda e a delinqüência de Saddam Hussein.
Admito até uma atenuante no pecado, que, no entanto, não o apaga.
Não havia muita chance de contrapor informações do outro lado, ou
por indisponíveis ou por inconfiáveis. Saddam Hussein podia jurar
que não tinha as tais armas que ninguém acreditaria. Deu-se então o
mais trágico crime ético da guerra:
a ditadura disse a verdade, a democracia mentiu.
Do meu ponto de vista, fica uma
lição que empiricamente já havia
aprendido: o jornalismo deve desconfiar sempre do governo, de qualquer governo. Mesmo que ele se
enrole na bandeira, como foi o caso
nos EUA, e tente estabelecer que
pátria e governo são a mesma coisa.
Nunca são.
Desconfiar mesmo quando o governo é popular. É bom lembrar
que, em março de 2003, pesquisa
publicada pelo "Washington Post"
mostrava que 71% dos norte-americanos eram favoráveis à guerra.
Desconfiar sempre do governo,
ainda que injustamente, dificilmente fará a ele próprio um mal irreversível, além de fazer bem ao
jornalismo. Distrair-se, ainda que
eventualmente, e aceitar como verdadeiras as afirmações/informações de um governante podem causar males irremediáveis.
Nas crises, então, o ceticismo é o
melhor, talvez único, anteparo para
a propaganda a que todo governo
inexoravelmente recorre.
crossi@uol.com.br
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