São Paulo, sábado, 22 de março de 2008

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CLÓVIS ROSSI

Desconfiar. Sempre

SÃO PAULO - Já foi quase tudo dito sobre a Guerra do Iraque, cinco anos após a invasão. Só faltou, acho, uma palavrinha sobre jornalismo, afinal, o único assunto de que entendo algo, menos do que gostaria e deveria, mas algo.
O jornalismo norte-americano cometeu, cinco anos atrás, o pecado mortal de aceitar acriticamente a informação de que havia armas de destruição em massa no Iraque de Saddam Hussein. Tampouco me pareceu suficientemente enfático em estabelecer a diferença entre a delinqüência da Al Qaeda e a delinqüência de Saddam Hussein.
Admito até uma atenuante no pecado, que, no entanto, não o apaga.
Não havia muita chance de contrapor informações do outro lado, ou por indisponíveis ou por inconfiáveis. Saddam Hussein podia jurar que não tinha as tais armas que ninguém acreditaria. Deu-se então o mais trágico crime ético da guerra: a ditadura disse a verdade, a democracia mentiu.
Do meu ponto de vista, fica uma lição que empiricamente já havia aprendido: o jornalismo deve desconfiar sempre do governo, de qualquer governo. Mesmo que ele se enrole na bandeira, como foi o caso nos EUA, e tente estabelecer que pátria e governo são a mesma coisa. Nunca são.
Desconfiar mesmo quando o governo é popular. É bom lembrar que, em março de 2003, pesquisa publicada pelo "Washington Post" mostrava que 71% dos norte-americanos eram favoráveis à guerra.
Desconfiar sempre do governo, ainda que injustamente, dificilmente fará a ele próprio um mal irreversível, além de fazer bem ao jornalismo. Distrair-se, ainda que eventualmente, e aceitar como verdadeiras as afirmações/informações de um governante podem causar males irremediáveis.
Nas crises, então, o ceticismo é o melhor, talvez único, anteparo para a propaganda a que todo governo inexoravelmente recorre.


crossi@uol.com.br

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