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CARLOS HEITOR CONY
De zero a dez
RIO DE JANEIRO - Uma repórter, talvez sem assunto, pede-me que dê ao
novo governo uma nota de zero a
dez. Afastei a seringa mais uma vez,
não considero cem dias tempo suficiente para julgar uma administração. E, mesmo que fosse tempo hábil,
não sou professor nem jurado de escola de samba para ficar dando notas
por aí.
Mesmo assim, a moça insistiu, apelou para a solidariedade de classe,
quantas vezes eu não representara o
mesmo papel na vida profissional,
perguntando bobagens ou coisas que
não devia e às vezes nem podia?
A consciência doeu, lembro ter feito
a um chanceler do Haiti, em Maldonado (Uruguai), uma pergunta embaraçosa. Na véspera, ele propusera a
expulsão de Cuba numa reunião da
OEA. Olhou-me com superioridade e
comentou: "A sua profissão é suja!".
Eu retruquei que a dele também era e
ficamos quites.
Voltando à repórter, pedi um esclarecimento. Deveria dar uma nota
global, dessas que aprovam ou reprovam o aluno, ou setorial, ponto por
ponto, como nos desfiles carnavalescos, bateria, ala das baianas, comissão de frente etc.?
Assim, dei 9,5 para Lula, por nada
mesmo, pelo que representa e pelo
que pode fazer e torço para que faça.
Dei cinco para a equipe econômica,
que me parece perdida em dois becos
sem saída: continuar o governo anterior, rolando com a barriga todos os
problemas, e não saber exatamente
como enfrentar a crise nacional no
contexto da crise internacional.
Dei zero para o Fome Zero, nota
que caiu por gravidade e pelo apelo
do próprio nome do complicado programa. E quando dou zero ao Fome
Zero não levo em consideração as dificuldades de sua implantação, que
poderão ser superadas com o tempo.
O zero vai para a sua idéia básica,
sua estrutura em si. Ninguém pode
ser contra a caridade. Mas de um governo espera-se mais do que o amor
ao próximo.
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