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CLÓVIS ROSSI
De sangue, Blair e BBC
SÃO PAULO - Do jeito que vai indo o
noticiário sobre a crise no Reino Unido, o diretor da BBC acabará demitindo-se antes de Tony Blair, se é que
não vão privatizar a melhor rede pública de televisão do planeta.
Recapitulemos sumariamente o caso: o governo britânico produziu dossiê acusando o Iraque de poder detonar armas de destruição em massa
em questão de minutos.
Um cientista, David Kelly, disse à
BBC, com o compromisso de seu nome não ser revelado, que o governo
"turbinara" o relatório para vender
com mais facilidade a idéia do ataque ao Iraque.
("Turbinar" é o neologismo que a
rapaziada anda usando, no jornalismo brasileiro, para designar o comportamento destinado a tornar, digamos, mais emocionantes certos fatos;
agora, usa-se também "tornar mais
sexy" o noticiário. Em ambos os casos, é deplorável).
No fim de semana passado, Kelly
suicidou-se (ou foi morto) e tanto a
BBC como o governo Tony Blair estão sendo acusados de ter "sangue
nas mãos".
Contra a BBC, no entanto, pesa
apenas a suspeita (não comprovada,
é bom redundar) de que "turbinou" o
depoimento de Kelly. Só. Permanece
o fato de que o essencial no noticiário
da rede pública é verdadeiro: não
surgiu, até agora, evidência de que o
Iraque de Saddam dispunha de armas de destruição em massa.
Mais: quem envolveu Kelly na história foi o governo britânico ao apontá-lo como a fonte que a BBC não revelara. Se o cientista se matou pela
depressão provocada pelo episódio, o
sangue está nas mãos do governo,
não da BBC, que o preservou enquanto pôde.
O modelo britânico de um imposto
que sustenta uma rede pública de informação, com o objetivo de torná-la
de fato independente do governo, é
precioso e deveria ser exportado, por
mais que se tente colocar governo e a
BBC no mesmo saco (ou com as mãos
no mesmo sangue).
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