UOL




São Paulo, terça-feira, 22 de julho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CLÓVIS ROSSI

De sangue, Blair e BBC

SÃO PAULO - Do jeito que vai indo o noticiário sobre a crise no Reino Unido, o diretor da BBC acabará demitindo-se antes de Tony Blair, se é que não vão privatizar a melhor rede pública de televisão do planeta.
Recapitulemos sumariamente o caso: o governo britânico produziu dossiê acusando o Iraque de poder detonar armas de destruição em massa em questão de minutos.
Um cientista, David Kelly, disse à BBC, com o compromisso de seu nome não ser revelado, que o governo "turbinara" o relatório para vender com mais facilidade a idéia do ataque ao Iraque.
("Turbinar" é o neologismo que a rapaziada anda usando, no jornalismo brasileiro, para designar o comportamento destinado a tornar, digamos, mais emocionantes certos fatos; agora, usa-se também "tornar mais sexy" o noticiário. Em ambos os casos, é deplorável).
No fim de semana passado, Kelly suicidou-se (ou foi morto) e tanto a BBC como o governo Tony Blair estão sendo acusados de ter "sangue nas mãos".
Contra a BBC, no entanto, pesa apenas a suspeita (não comprovada, é bom redundar) de que "turbinou" o depoimento de Kelly. Só. Permanece o fato de que o essencial no noticiário da rede pública é verdadeiro: não surgiu, até agora, evidência de que o Iraque de Saddam dispunha de armas de destruição em massa.
Mais: quem envolveu Kelly na história foi o governo britânico ao apontá-lo como a fonte que a BBC não revelara. Se o cientista se matou pela depressão provocada pelo episódio, o sangue está nas mãos do governo, não da BBC, que o preservou enquanto pôde.
O modelo britânico de um imposto que sustenta uma rede pública de informação, com o objetivo de torná-la de fato independente do governo, é precioso e deveria ser exportado, por mais que se tente colocar governo e a BBC no mesmo saco (ou com as mãos no mesmo sangue).


Texto Anterior: Editoriais: CERCO A BLAIR

Próximo Texto: Brasília - Eliane Cantanhêde: Não é brincadeira
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.