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CARLOS HEITOR CONY
A "Ave-Maria" de Schubert
RIO DE JANEIRO - Era difícil levar uma namorada, de ofício ou de circunstância, para os finalmente que
interessavam. Não havia motéis, mas
espeluncas desconfortáveis e broxantes. Quem não era rico e não tinha direito àquilo que os entendidos chamavam de "garçonnière", se espalhava pelos quartos alugados de cafetinas ou homossexuais desativados
que alugavam por hora ou, em alguns casos, por fração de hora.
Deu-se que um amigo meu levou
uma namorada zero quilômetro para um desses covis, numa rua manjada, que cheirava de longe a secreções
igualmente manjadas. Vencidas as
resistências, à custa de muita saliva
-que é igualmente uma secreção-,
foram abertos os trabalhos de praxe.
O apartamento era quarto-e-sala, o
dono, um rapaz magricela, que vivia
com um policial que só chegava à
noite, alugava o quarto durante o dia
a cavalheiros de fino trato para pagar aulas de violino, que cismara de
tocar. Era um artista desgarrado, e
ainda bem que escolhera o violino, se
fosse bateria, poderia ser pior, mas,
naquele caso específico, certamente
seria melhor.
Foi uma carnificina terrível. A
Guerra do Peloponeso, as Púnicas, a
dos Cem Dias, a batalha de Stalingrado, nenhuma delas se ombrearia
com a luta corporal para convencer a
namorada à consumação dos fatos
consumados. E, quando tudo estava
pronto, vencidas as últimas resistências, eis que adentra no quarto o som
esfarrapado do violino tocando a
"Ave-Maria" de Schubert.
Por Júpiter! A moça deu um pulo,
era a voz de Deus e da decência que a
salvava do mau passo. Vestiu-se chorando, deixou o meu amigo literalmente na mão. Resignado, mas nem
tanto, o jeito foi esculhambar com o
candidato a Paganini que, apatetado, na sala ao lado, não entendia o
que estava se passando: "Mas logo
com uma "Ave-Maria'? Não podia ser
a valsa da "Viúva Alegre'?".
Encabulado, o rapaz respondeu: "É
a única música que sei tocar até o
fim".
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