São Paulo, quinta-feira, 22 de julho de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O desafio da inclusão

ALENCAR BURTI

Artigo do renomado jurista Ives Gandra Martins intitulado "Burocracia, tributos e juros", que nos alerta para o caminho perigoso do empreendedorismo -a informalidade-, e relatório da consultoria McKinsey, publicado recentemente pela revista "Exame", demonstram que a competitividade da economia brasileira está na UTI. Motivo: o vírus poderoso da informalidade, que se espalha nos tecidos sadios da iniciativa privada graças aos excessos de burocracia, tributos e juros.
Apesar de o diagnóstico da "doença" ser conhecido há tempo, a terapia aplicada até o momento não tem surtido os efeitos necessários.
O equívoco que se vem cometendo é não avaliar a velocidade dos fatos. Enquanto a demanda por empregos é crescente, o número de postos de trabalho diminui drasticamente.
Apesar da pequena sinalização positiva da evolução do emprego no último mês, detectada pelo IBGE, a área metropolitana de São Paulo continua abrigando mais de 2 milhões de desempregados, cuja principal saída é o empreender. Entretanto essa iniciativa bate de frente com o cipoal burocrático que regula o "existir empresarial": são mais de 55 mil artigos e 300 normas legais, além de uma carga tributária onerosa para uma pequena empresa em início de atividade.
O reflexo dessa situação é comprovado por estudos do Sebrae-SP que mostram que, para cada empreendimento formal, outros dois atuam à margem das normas. Isso se reflete no mercado de trabalho, onde mais da metade não tem registro em carteira.
Existe saída para esse verdadeiro caos?


A competitividade da economia brasileira está na UTI. Motivo: o vírus poderoso da informalidade


Alguns exemplos dos chamados países desenvolvidos demonstram que sim. Deixando de lado as linhas ideológicas e os fatos históricos, a Espanha saiu de uma taxa de desemprego de 20%, no início dos anos 90, para 12%, em 2000. As reformas das legislações trabalhista e fiscal, além da simplificação do sistema tributário, permitiram a verdadeira revolução da economia espanhola.
Para abrir seu mercado ao mundo, a China cortou quase 50% de suas normas. Não é por outro motivo que o PIB chinês, em 2003, ultrapassou a barreira dos 6%, batendo o 0,2% obtido aqui no Brasil.
Enquanto governo, lideranças empresariais e laborais -ou seja, toda a sociedade- não mergulharem profundamente em cada um desses fatores que formam o tripé da falta de competitividade e propuserem ações efetivas, a recuperação da nossa economia não vai passar de retórica. Mais que isso, não podemos ser coniventes com outra face perversa desse processo: a expansão do crime organizado, que se alimenta da concorrência desleal da informalidade, ou melhor, da ilegalidade.
O Sebrae deve entregar até meados do próximo mês o anteprojeto da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, que traz soluções concretas, viáveis e simples para consolidar a força geradora de emprego e renda dos pequenos negócios, responsáveis por 67% do pessoal ocupado e 28% do PIB.
Entre os destaques estão a criação do cadastro nacional unificado de contribuintes (um único registro em todos os órgãos com os quais as pequenas empresas precisam se relacionar), a atualização das faixas de enquadramento das MPEs, a simplificação e tratamento diferenciado de tributos, a criação de uma rede de proteção social, com simplificação das relações trabalhistas, garantindo assim os benefícios sociais aos empregados e estímulos à exportação e aos investimentos em tecnologia.
Se não houver sensibilidade por parte do Congresso para a tramitação desse projeto e se governadores e prefeitos não entenderem que protelar a solução é adiar o verdadeiro espetáculo do crescimento, corremos o risco de dar a essa lei inovadora o mesmo destino da reforma tributária.
O mesmo estudo da McKinsey já citado mostra que é preciso reduzir em 20% o setor informal para elevar a taxa de crescimento em pelo menos 1,5 ponto percentual. Nosso PIB poderia aumentar 5% ao ano!
Chegou o momento de aprovar essas medidas vitais para a sobrevivência e a consolidação dos pequenos negócios; não há mais tempo a perder nesse emaranhado de regras ultrapassadas, impeditivas do crescimento e com desdobramentos sociais que podem levar a uma ruptura com efeitos imprevisíveis e indesejáveis, comprometendo inclusive o processo democrático tão desejado por todos nós e recentemente alcançado.

Alencar Burti, 73, é o presidente do Conselho Deliberativo do Sebrae-SP (Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo).


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