São Paulo, terça-feira, 22 de agosto de 2000


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A discussão sobre transgênicos


Será que, por conta de um improvável risco a uma borboleta, milhões de seres humanos devem permanecer subnutridos?


LUIZ HAFERS

A discussão candente sobre os transgênicos caminha para uma polarização estéril. De um lado, os defensores dessa tecnologia -entre os quais me encontro- demonstram suas vantagens cada vez maiores. Maior produção, menor risco agrícola, menor uso de defensivos, controle da erosão. Demonstram também que os riscos e danos ao consumidor, prometidos pelos adversários dessa tecnologia, não foram confirmados, provados nem aconteceram após diversos anos de uso.
Esses adversários usam o medo do desconhecido para assustar consumidores e autoridades com catástrofes iminentes e inevitáveis. Essa campanha, que apela ao medo e à emoção, tem recebido muito mais visibilidade do que os argumentos científicos. Tem sido mais divulgada do que contínuas aprovações por grande número de cientistas. Alguns até usam a discussão por motivos políticos.
O problema é que a discussão é técnica, mas a decisão é política. Os adversários dos transgênicos, desde os convictos até os interessados, discutem emocionalmente, criando a dúvida e o medo. Todo o avanço tecnológico e científico tem passado por esse tipo de reação. Apregoam o mal desconhecido ao invés do bem conhecido. Que o digam Galileu Galilei e Oswaldo Cruz, que enfrentaram versões de inquisição à sua época, um com a condenação de sua obra, o outro com a Revolta da Vacina. Somem-se a isso os eternos ressentidos com o sucesso ou razões políticas e temos um grupo considerável relegando o racional e pondo combustível no emocional.
O que está em questão também é toda uma tradição e um esforço da ciência na melhora das condições de vida. A desmoralização da ciência atrasa esse avanço, inexorável. Já assistimos a isso no passado. Os luditas, contra os teares; os puristas, contra os automóveis. E a biotecnologia é o maior avanço na agricultura desde a descoberta do nitrogênio sintético, que desautorizou Malthus.
Mas as demandas sobre a produção de alimentos aumentam exponencialmente. O recente desenvolvimento de um arroz transgênico com maior dose de betacaroteno sinaliza uma melhora na situação de penúria e falta de saúde na África. Será que esse enorme contingente não tem direito a uma vida menos miserável? Será que, por conta de um suposto e improvável risco de uma borboleta, milhões de seres humanos devem permanecer na subnutrição? Será que a insulina, que é transgênica, não deveria ser usada? A solução não é difícil: que sejam rotulados os produtos.
As populações abastadas podem e devem ter escolha. Os miseráveis não têm essa escolha e precisam de mais alimentos, melhores e mais baratos. Há uma enorme hipocrisia nessa discussão e, certamente, o tempo nos dará razão. Pena pelos que sofrem e vão sofrer por enquanto.


Luiz Marcos Suplicy Hafers, 67, fazendeiro de café em Ribeirão Claro (PR) e no cerrado baiano, é presidente da Sociedade Rural Brasileira.



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