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CARLOS HEITOR CONY
De volta ao paraíso
RIO DE JANEIRO - Não posso me queixar. O rei Salomão reclamava de
que não havia nada de novo sob o
sol. Rubem Braga passou uns tempos
fora, ao voltar, descobriu que a única
novidade no Brasil era o Hollywood
com filtro.
Mais afortunado do que os dois
mestres, o rei justo e o sabiá da crônica, encontrei um mundão de novidades, a começar por um governo do
qual ainda não aprendi os nomes e as
caras. Bem ou mal, estava habituado
com a barba florentina do Armínio
Fraga, o rosto mongólico do Pedro
Malan, a magreza ascética do Marco
Maciel.
Mais difícil dos que as caras, é guardar nomes e funções. O próprio Lula,
o acidente topográfico mais visível da
paisagem nacional, está um pouco
diferente do Lula de antigamente.
Até o Gilberto Gil, de paletó e gravata, não é o mesmo que conheci num
distante ano em que, na cama de
uma clínica em Botafogo, cantou para mim, em primeira mão, um canção que tinha um título que daria
certo: "Gaivota voa..."
Em princípio, desconfio das novidades, mas costumo me dar bem com
elas. Saí daqui com o dólar nas alturas e voltei com o dólar em paz na
terra aos homens de boa vontade. E,
dando mostra de boa vontade, tomei
conhecimento do programa prioritário do novo governo, o Fome Zero.
Longe da pátria, onde são ácidas as
uvas da ausência, tratei de entrar no
clima proposto por Lula e fiz o que
pude: comi tudo a que tinha direito,
enfrentei espaguetes e fettuccines terríveis, com molhos terrivelmente adequados, posso garantir que zerei a
minha fome, contribuindo patrioticamente com o governo, que neste
particular, não precisa se preocupar
comigo.
Dei bom exemplo aos meus concidadãos, os 169.999.999 de brasileiros
cuja fome se pretende zerar. Se cada
um fizer o seu dever, como eu fiz, daremos um passo importante para
chegarmos ao paraíso prometido.
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