São Paulo, Terça-feira, 23 de Fevereiro de 1999
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TRANSPLANTE INÉDITO

A notícia publicada sábado na revista de medicina "The Lancet" é admirável: o primeiro transplante entre pessoas vivas de rim e de fígado, de um mesmo doador para um só receptor. Ainda mais notável foi tomar conhecimento de que a cirurgia inédita foi realizada no Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, por uma equipe de médicos brasileiros.
Para quem acompanha ou participa do desenvolvimento técnico alcançado pela medicina de ponta no país, a rigor, o feito não chega a causar surpresa. Transplantes cada vez mais complexos são realizados há anos nos centros de excelência, a ponto de alguns deles se tornarem quase uma rotina. Isso não deve fazer com que se esqueçam das carências do sistema público de transplantes do país, ainda incapaz de atender à demanda.
Mas nem por isso devem ser subestimadas as dificuldades envolvidas na operação realizada pela equipe de Wagner Marujo, no Einstein. O receptor de 53 anos, com insuficiência renal e cirrose hepática, estaria desenganado se continuasse na lista de espera por doadores mortos. Seu filho de 26 anos ofereceu-se para doar dois órgãos. Mais precisamente, um de seus rins e 65% do fígado.
Dois meses transcorreram desde a cirurgia. Pai e filho sobreviveram bem, retomando a vida normal. No transplante anterior do mesmo gênero, realizado na Turquia, o receptor morreu, aparentemente porque teria sido insuficiente a porção de fígado recebida, bem menor, cerca de 35% do órgão do doador.
Os brasileiros autores da façanha são os primeiros a levantar, no artigo da "Lancet" como em entrevistas, aspectos éticos sobre o procedimento. Afinal, ele implica pôr em risco a vida de uma pessoa sã (o doador). "Esses procedimentos só devem ser tentados como último recurso por equipes com ampla experiência", escreveram. "Mas o que parece extremo hoje pode tornar-se ferramenta terapêutica ordinária amanhã."
Com efeito, na medicina como em outros campos da atividade social, muitas vezes os avanços dependem da dose certa de ousadia.


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