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TRANSPLANTE INÉDITO
A notícia publicada sábado na revista de medicina "The Lancet" é admirável: o primeiro transplante entre
pessoas vivas de rim e de fígado, de
um mesmo doador para um só receptor. Ainda mais notável foi tomar conhecimento de que a cirurgia inédita
foi realizada no Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, por uma
equipe de médicos brasileiros.
Para quem acompanha ou participa
do desenvolvimento técnico alcançado pela medicina de ponta no país, a
rigor, o feito não chega a causar surpresa. Transplantes cada vez mais
complexos são realizados há anos
nos centros de excelência, a ponto de
alguns deles se tornarem quase uma
rotina. Isso não deve fazer com que
se esqueçam das carências do sistema público de transplantes do país,
ainda incapaz de atender à demanda.
Mas nem por isso devem ser subestimadas as dificuldades envolvidas
na operação realizada pela equipe de
Wagner Marujo, no Einstein. O receptor de 53 anos, com insuficiência
renal e cirrose hepática, estaria desenganado se continuasse na lista de
espera por doadores mortos. Seu filho de 26 anos ofereceu-se para doar
dois órgãos. Mais precisamente, um
de seus rins e 65% do fígado.
Dois meses transcorreram desde a
cirurgia. Pai e filho sobreviveram
bem, retomando a vida normal. No
transplante anterior do mesmo gênero, realizado na Turquia, o receptor
morreu, aparentemente porque teria
sido insuficiente a porção de fígado
recebida, bem menor, cerca de 35%
do órgão do doador.
Os brasileiros autores da façanha
são os primeiros a levantar, no artigo
da "Lancet" como em entrevistas, aspectos éticos sobre o procedimento.
Afinal, ele implica pôr em risco a vida
de uma pessoa sã (o doador). "Esses
procedimentos só devem ser tentados como último recurso por equipes
com ampla experiência", escreveram. "Mas o que parece extremo hoje
pode tornar-se ferramenta terapêutica ordinária amanhã."
Com efeito, na medicina como em
outros campos da atividade social,
muitas vezes os avanços dependem
da dose certa de ousadia.
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