São Paulo, Terça-feira, 23 de Fevereiro de 1999
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Volks do Brasil. Do Brasil?

CLÓVIS ROSSI

São Paulo -É emblemática do relacionamento governo/multinacionais a proposta do vice-presidente da Volkswagen do Brasil, Miguel Jorge, de restrição voluntária das exportações brasileiras de veículos para a Argentina.
Para a Volks, é de fato indiferente exportar mais ou menos para a Argentina, uma vez que tem uma unidade também naquele país. Vender menos veículos produzidos no Brasil, desde que mantendo um certo nível de produção na Argentina, parece bastar para a política mundial do grupo, que, de resto, não é decidida nem no Brasil nem na Argentina, mas na Alemanha.
Mas, para o nível de emprego e de arrecadação de impostos no Brasil, faz diferença, sim.
Claro que a Volks não tem obrigação alguma de zelar pelo nível de emprego no Brasil nem pela arrecadação do governo, a não ser a partir de critérios éticos, que a matriz alemã até aplicou quando introduziu uma jornada de trabalho mais reduzida, para evitar demissões em massa.
O governo brasileiro é que teria todo o interesse em forçar as empresas a exportar mais, agora que ruiu o entrave representado por um real estupidamente sobrevalorizado.
Pena que o governo só se mostre capaz de agir quando se trata de proteger interesses poderosos. Chegou até a estabelecer uma muralha de proteção à indústria automobilística localmente instalada (na altura de 70%), com o que brecou uma enxurrada de importações e contrabalançou a sobrevalorização do real pelo menos para esse setor da economia.
Cito o caso da Volks apenas porque seu vice-presidente ousou pensar alto o que colegas seus, que têm igualmente negócios nos dois lados da fronteira, talvez prefiram calar.
Mas não é um exemplo isolado de como a lógica do mercado só vale seletivamente. Para a Volkswagen, vale a lógica da própria Volkswagen. Para o Brasil, a lógica deveria ser outra. Se houvesse governo, claro.


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