São Paulo, sexta-feira, 23 de abril de 2004

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CLAUDIA ANTUNES

Davos tropical

RIO DE JANEIRO - O timing não poderia ter sido mais infeliz: bem no meio de duas semanas marcadas por sintomas de agravamento da crise social em todo o país, 300 grandes empresários se expuseram à curiosidade pública durante três dias de divertimento e confraternização na ilha de Comandatuba, na Bahia. Segundo os organizadores do Fórum Empresarial, uma espécie de Davos tropical, eles representam 35% do PIB do país.
Mesmo homens de negócio têm direito a relaxar de vez em quando, e os promotores do conclave de R$ 6,2 milhões com certeza não previram que, enquanto seus convidados eram fotografados disputando partidas de vôlei aquático, embalados no axé de Daniela Mercury ou fantasiados numa "noite africana", a situação estaria pegando fogo aqui fora, de Porto Velho à Rocinha.
Mas, além de algumas cenas de ostentação explícita, chamou atenção a incoerência entre o que os chamados líderes empresariais têm dito em tom grave no dia-a-dia e seu comportamento no fim de semana baiano.
Quando estão a trabalho, duas queixas são recorrentes entre os empresários: os juros altos e o aumento da carga tributária. Na Bahia, eles receberam com entusiasmo e nostalgia não disfarçada o ex-presidente Fernando Henrique, cujo governo foi campeão nos dois quesitos. FHC ganhou US$ 50 mil pela palestra, e o ministro Palocci, que falou de graça, embarcou no clima. Prometeu que, se for necessário, manterá "por mais dez anos" a política econômica fernandista. Foi, segundo diferentes relatos, ovacionado.
Talvez seja demais pedir a grandes empresários coerência que vá além do corporativismo classista, mas um pouco mais de discrição não lhes faria mal. Que tal, longe das câmeras, cultivar com mais constância o mecenato? No Rio, por exemplo, o mosteiro de São Bento, patrimônio histórico nacional, procura patrocinadores que banquem os R$ 2,3 milhões necessários para restaurar sua igreja, tomada por cupins. Até agora, não apareceram interessados.


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