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CLAUDIA ANTUNES
Davos tropical
RIO DE JANEIRO - O timing não poderia ter sido mais infeliz: bem no
meio de duas semanas marcadas por
sintomas de agravamento da crise social em todo o país, 300 grandes empresários se expuseram à curiosidade
pública durante três dias de divertimento e confraternização na ilha de
Comandatuba, na Bahia. Segundo os
organizadores do Fórum Empresarial, uma espécie de Davos tropical,
eles representam 35% do PIB do país.
Mesmo homens de negócio têm direito a relaxar de vez em quando, e os
promotores do conclave de R$ 6,2 milhões com certeza não previram que,
enquanto seus convidados eram fotografados disputando partidas de vôlei aquático, embalados no axé de
Daniela Mercury ou fantasiados numa "noite africana", a situação estaria pegando fogo aqui fora, de Porto
Velho à Rocinha.
Mas, além de algumas cenas de ostentação explícita, chamou atenção a
incoerência entre o que os chamados
líderes empresariais têm dito em tom
grave no dia-a-dia e seu comportamento no fim de semana baiano.
Quando estão a trabalho, duas
queixas são recorrentes entre os empresários: os juros altos e o aumento
da carga tributária. Na Bahia, eles
receberam com entusiasmo e nostalgia não disfarçada o ex-presidente
Fernando Henrique, cujo governo foi
campeão nos dois quesitos. FHC ganhou US$ 50 mil pela palestra, e o
ministro Palocci, que falou de graça,
embarcou no clima. Prometeu que, se
for necessário, manterá "por mais
dez anos" a política econômica fernandista. Foi, segundo diferentes relatos, ovacionado.
Talvez seja demais pedir a grandes
empresários coerência que vá além
do corporativismo classista, mas um
pouco mais de discrição não lhes faria mal. Que tal, longe das câmeras,
cultivar com mais constância o mecenato? No Rio, por exemplo, o mosteiro de São Bento, patrimônio histórico
nacional, procura patrocinadores
que banquem os R$ 2,3 milhões necessários para restaurar sua igreja,
tomada por cupins. Até agora, não
apareceram interessados.
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