São Paulo, segunda-feira, 23 de agosto de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Em defesa da universidade pública

AMÉRICO S. KERR, FRANCISCO MIRAGLIA e CÉSAR AUGUSTO MINTO

A greve de professores, funcionários e estudantes da USP, Unesp e Unicamp, articulados no Fórum das Seis, desenvolveu-se com base em dois eixos bem definidos: a defesa da educação pública em todos os níveis e a reivindicação salarial dos trabalhadores dessas instituições. Nesse movimento, enfrentamos muitas intransigências: do governo Alckmin, na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), e do Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp), em relação às reivindicações salariais, entre outras.
No caso da LDO, pressionamos deputados e governo, sensibilizamos a opinião pública e fizemos a defesa do ensino público e gratuito, em todos os níveis, com repercussão significativa nos meios de comunicação de massa. Levamos à Assembléia Legislativa propostas de aumento da dotação orçamentária para as universidades, para o Centro Paula Souza e para a educação básica do Estado.
Além disso, sempre registramos nossa disposição de negociação e diálogo.
Denunciamos a enorme sonegação fiscal no Estado de São Paulo; o absurdo do desconto dos recursos para a habitação no cálculo das receitas do ICMS destinadas às universidades; o confisco dos 5% dos salários, à guisa de contribuição previdenciária (que não é devolvida às universidades, muito embora estas sejam responsáveis pela folha de aposentados); o golpe do decreto nš 48.034/03, que diminui a arrecadação do ICMS e, conseqüentemente, as receitas para saúde, educação e demais serviços públicos essenciais. Denunciamos também a manipulação eleitoreira, pelo governo Alckmin, do projeto de expansão do ensino público, sem a correspondente garantia de recursos.


Apenas 1,8% dos jovens paulistas com 18 a 24 anos de idade têm acesso às universidades públicas no Estado


Pela primeira vez, desde o governo Quércia, o Executivo perdeu duas votações de sua proposta de roteiro de votação para a LDO, fruto da pressão do movimento. No final, ficou registrado o enorme controle do Executivo sobre o Legislativo, desrespeitando a Constituição e destruindo a concepção republicana de Estado. Embora desta vez não tenhamos obtido resultado imediato, ficaram registradas a intransigência, a indisposição à negociação e o descaso do Executivo estadual com a educação pública, em particular com as universidades e o Centro Paula Souza.
É bom registrar que apenas 1,8% dos jovens paulistas com 18 a 24 anos de idade têm acesso às universidades públicas no Estado; e os poderes públicos, em suas três esferas, destinam somente cerca de 3,5% do PIB estadual à educação. Esse índice é menor do que a média nacional, de 4% do PIB, que, por sua vez, é consideravelmente menor do que aplicam as nações que investem na superação de seu atraso educacional e na garantia do direito social à educação.
No caso da campanha salarial, o movimento respondeu com energia à intransigência análoga, desta vez oriunda do Cruesp, que reiterou, por sete vezes consecutivas, um ofensivo 0% de reajuste na data-base. Nossa resposta foi dada, em primeiro lugar, pela capacidade de manter a intensidade e a força do movimento; e em segundo lugar, por nossas estimativas de evolução do ICMS, constantemente confirmadas.
O Cruesp viu-se obrigado a considerar inevitável a recomposição pela inflação, ainda que paga em duas parcelas, bem como a apresentação de uma política salarial com alguma proteção à corrosão inflacionária do ano de 2004. Sem dúvida, o movimento obteve avanços políticos e salariais significativos, apesar da insensibilidade do governo estadual e do Cruesp -não obstante a omissão de muitas autoridades universitárias na defesa de mais verbas para a educação superior pública.
Devemos estar atentos para o perigo da desvinculação das verbas da educação e da saúde e para a chamada reforma universitária propostas pelo governo Lula, assim como para a política de descaso do Executivo estadual em relação aos serviços públicos essenciais, que permanecem como sérias ameaças às universidades públicas -gratuitas, de qualidade e socialmente responsáveis. Universidades públicas essas que estudantes, professores e funcionários defenderam, com dignidade e coragem, nos 63 dias de greve.

Américo S. Kerr, 51, professor doutor do Instituto de Física da USP, é presidente da Adusp (Associação dos Docentes da USP). Francisco Miraglia, 57, professor titular do Instituto de Matemática e Estatística da USP, é vice-presidente da Adusp. César Augusto Minto, 55, professor doutor da Faculdade de Educação da USP, é vice-presidente da Adusp.


Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Luiz Marinho e João Antonio Felício: Carta de compromisso eleitoral

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.