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São Paulo, segunda-feira, 24 de fevereiro de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A realidade das finanças de São Paulo

CELSO PITTA

A atual administração da cidade de São Paulo procura no passado a justificativa para seus erros atuais na condução das finanças municipais. E quais são eles? De início, fazer uso das economias orçamentárias herdadas da administração anterior para aumentar as despesas de custeio (operação da máquina) e deixar de lado investimentos inadiáveis no transporte e na saúde. Quanto à disponibilidade financeira citada no artigo "As finanças de São Paulo", publicado neste espaço no último dia 18, vale lembrar que o primeiro balancete da atual gestão, publicado no início de abril de 2001, já mostrava um caixa de mais de R$ 1 bilhão, resultado do superávit orçamentário deixado pela gestão anterior.
E o que foi feito com todo esse dinheiro? A resposta também está nos balanços da prefeitura: as despesas de custeio, que em 2000 eram de R$ 3,9 bilhões, subiram para R$ 5,1 bilhões em 2001, graças a aumentos de salários para o alto escalão, à criação de novos cargos de confiança e à elevação das despesas com o lixo. E quanto aos investimentos? Caíram de R$ 528 milhões em 2000 para R$ 381 milhões em 2001. E a verba da educação foi reduzida de 30% para 25% do Orçamento. E esse ainda se diz um "governo da reconstrução".
O segundo grande erro de gestão financeira foi não exercer a opção de amortizar 20% da dívida com a União, atitude que, além de prejudicar futuras administrações, deixou de incorporar um significativo volume de recursos utilizáveis para a melhoria da cidade. Por exemplo, só com o dinheiro que poderia ser levantado na venda da concessão dos serviços de água e esgoto, de propriedade do município e pelos quais a prefeitura não recebe um centavo do Estado, a amortização seria coberta com sobras.
A terceira "barbeiragem" foi a de aumentar impostos e taxas. Não admitir que a carga tributária sobre o paulistano é uma das mais elevadas do mundo -fato divulgado por estudos recentes- já caracteriza a medida como bem injusta. Além disso, é contraproducente, como demonstrou a arrecadação do IPTU do ano passado, que ficou abaixo do previsto, simplesmente porque a inadimplência, que historicamente era de 13%, pulou para 20% após o aumento produzido pela progressividade.
Na gestão anterior, não houve aumento de impostos nem a criação de novas taxas, e, mesmo assim, as receitas correntes subiram de R$ 5,6 bilhões em 1997 para R$ 7,7 bilhões em 2000, num crescimento de 5,4% acima da inflação do período. Isso aconteceu porque houve melhora na eficiência da máquina arrecadadora e no combate à sonegação.
Mas a busca inglória de justificativas para o injustificável levou o atual governo a lançar acusações sobre aqueles que o antecederam. Foi o que aconteceu com o artigo publicado neste espaço, assinado por João Sayad, secretário das Finanças, que afirmou:


A busca de justificativas para o injustificável levou o atual governo a lançar acusações sobre aqueles que o antecederam


1) que encontrou atrasos de R$ 4 bilhões no pagamento de precatórios. Mas não disse que esses pagamentos têm de seguir uma ordem cronológica estabelecida pelo Tribunal de Justiça, sendo que, quando um pagamento é suspenso por alguma decisão judicial, os demais têm de aguardar na fila até que o impasse seja resolvido;
2) que havia outros R$ 4 bilhões a pagar em "esqueletos", mas não disse quais, pois, se o fizesse, teria de atirar no próprio PT, que administrou a cidade de 1989 a 1992 e que deveria ter sanado as pendências com a Eletropaulo e a Sabesp, que remontam a 1985. Faltou fazer um encontro de contas, já que essas empresas deviam à prefeitura o IPTU e outros impostos;
3) haver encontrado atrasos de pagamento de até dez meses, mas não revelou quanto estava entrando em caixa no início da nova administração nem a sobra que desde o início da gestão é usada em aplicações financeiras -nem sempre com muito sucesso, como se verificou com a perda de R$ 30 milhões, quando, no ano passado, o governo mudou a contabilização dos fundos DI;
4) que a Secretaria das Finanças estava com a sua informática atrasada. Não disse que, naquela época, o sistema de execução orçamentária funcionava e os dados estavam disponíveis a partir do dia 10 de janeiro. Hoje, com a nova tecnologia do PT, até a segunda semana de fevereiro, a movimentação orçamentária e financeira era desconhecida até da Câmara Municipal. Curiosidade: ao contrário do que se tornou rotina na gestão anterior, não há registro de nenhuma representação dos vereadores junto ao Ministério Público "em prol da transparência da gestão"; e
5) que 13% das receitas estão comprometidas com o pagamento da dívida com a União, mas não disse que, caso o critério anterior de rolagem semestral de 98% da dívida tivesse sido mantido, não só o dispêndio seria muito maior como a própria dívida com o crescer dos juros se tornaria impagável.
Por fim, manter as finanças públicas em ordem não é nenhum favor. Faz parte do ser governo.


Celso Pitta, 56, é economista e ex-prefeito de São Paulo.


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