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RUY CASTRO
Consciência do século
RIO DE JANEIRO - Mark Twain,
o escritor americano, completou
cem anos de morte nesta quarta-feira sob pesado silêncio. Irônico,
porque, quando ele morreu, aos 75,
em 1910, o mundo se perguntou como iria se arranjar sem ele.
Como todos os garotos brasileiros dos anos 50, li Mark Twain naquelas lindas edições da Vecchi
-pena que, só percebi depois, em
traduções nada à altura do original.
Mas não importa: em criança, lê-se
Mark Twain como criança, e é emocionante. Em adulto, descobre-se o
supremo prazer de ler Mark Twain
como adulto.
Seus dois grandes livros, "As
Aventuras de Tom Sawyer" e "As
Aventuras de Huckleberry Finn",
prestam-se a ambas as situações.
Em "Tom Sawyer", um homem é
assassinado num cemitério durante a violação de um túmulo; outro
morre de fome e sede numa caverna lacrada depois de ter comido todos os morcegos e tocos de vela disponíveis; etc. Em "Huck Finn", 13
pessoas morrem em meio a cenas
de escravidão, miséria, guerra e corrupção. Não admira que, quando
lhe disseram que "Tom" e "Huck"
haviam sido proibidos em certa escola nos EUA, Twain tenha exclamado: "Fizeram muito bem. Eles
não foram escritos para crianças".
Os dois livros influenciaram
"Macunaíma", de Mario de Andrade. Mas há outro grande romance
brasileiro na mesma linha e que não
lhes deve nada, até por ter saído
mais de 20 anos antes: "Memórias
de um Sargento de Milícias", de
Manuel Antonio de Almeida
-Huck seria um Leonardo matuto,
e tão atrevido quanto.
Mark Twain era, ao mesmo tempo, moleque, anarquista, lúcido, severo, hilariante, cético, cruel e moralista. Deixou frases definitivas sobre quase tudo e era considerado "a
consciência do século 19". O brasileiro que mais se parece com ele
continua entre nós e se chama
Millôr Fernandes.
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