São Paulo, quinta-feira, 24 de junho de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Carne, osso e plástico

SÃO PAULO - Elio Gaspari matou a charada, como quase sempre, ao dizer que, com a morte de Leonel Brizola, morre também o século 20 no Brasil. Seria mais preciso se dissesse que morreu o último político do século 20, ainda que todos os demais em atividade também tenham nascido no século passado.
Ocorre que Brizola era o último político construído sem a televisão, ainda que o brasilianista Thomas Skidmore diga que tenha se adaptado bem a ela. Acho que não: Brizola era o último político de carne e osso em um ambiente em que a grande maioria é ou parece ser de plástico.
A grande exceção era, até a vitória de 2002, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Brizola era da geração do gogó e da saliva. Uma vez, há muitos anos, participei de uma entrevista dele no "Roda Viva", programa da TV Cultura. Depois, dei carona até o restaurante em que ele e os entrevistadores jantaríamos. Se o trajeto demorasse mais 15 minutos, teria levado meu voto.
Não pelas idéias, que não as discutimos, mas pela boa conversa, pelos casos contados, pelo capacidade de fazer-se rapidamente amigo íntimo até de quem conhecia pouco.
A grande maioria dos políticos em atividade não consegue mais conversar desse jeito desarmado. Parecem estar sempre em campanha, instruídos pelos marqueteiros de plantão a vender, 24 horas por dia, uma dada imagem. A maioria apenas me cansa. Alguns chegam a irritar pela insistência em demonstrar uma sapiência que sei que não têm ou um padrão ético que sei ser discutível.
Brizola era seu próprio marqueteiro. Como gente de carne e osso, tinha suas virtudes e defeitos, como é óbvio. Mas não deixava no interlocutor o sabor de plástico que a maioria dos políticos produz.
O diabo é que a propaganda na TV, fator central e decisivo nas campanhas eleitorais, torna obrigatória a plastificação. Talvez por isso Brizola tenha morrido politicamente antes de morrer fisicamente. Pena.


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