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CLÓVIS ROSSI
Carne, osso e plástico
SÃO PAULO - Elio Gaspari matou a charada, como quase sempre, ao dizer que, com a morte de Leonel Brizola, morre também o século 20 no Brasil. Seria mais preciso se dissesse que
morreu o último político do século 20,
ainda que todos os demais em atividade também tenham nascido no século passado.
Ocorre que Brizola era o último político construído sem a televisão, ainda que o brasilianista Thomas Skidmore diga que tenha se adaptado
bem a ela. Acho que não: Brizola era
o último político de carne e osso em
um ambiente em que a grande maioria é ou parece ser de plástico.
A grande exceção era, até a vitória
de 2002, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Brizola era da geração do gogó e da
saliva. Uma vez, há muitos anos, participei de uma entrevista dele no "Roda Viva", programa da TV Cultura.
Depois, dei carona até o restaurante
em que ele e os entrevistadores jantaríamos. Se o trajeto demorasse mais
15 minutos, teria levado meu voto.
Não pelas idéias, que não as discutimos, mas pela boa conversa, pelos
casos contados, pelo capacidade de
fazer-se rapidamente amigo íntimo
até de quem conhecia pouco.
A grande maioria dos políticos em
atividade não consegue mais conversar desse jeito desarmado. Parecem
estar sempre em campanha, instruídos pelos marqueteiros de plantão a
vender, 24 horas por dia, uma dada
imagem. A maioria apenas me cansa. Alguns chegam a irritar pela insistência em demonstrar uma sapiência
que sei que não têm ou um padrão
ético que sei ser discutível.
Brizola era seu próprio marqueteiro. Como gente de carne e osso, tinha
suas virtudes e defeitos, como é óbvio.
Mas não deixava no interlocutor o
sabor de plástico que a maioria dos
políticos produz.
O diabo é que a propaganda na TV,
fator central e decisivo nas campanhas eleitorais, torna obrigatória a
plastificação. Talvez por isso Brizola
tenha morrido politicamente antes
de morrer fisicamente. Pena.
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