São Paulo, sábado, 24 de julho de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A Lei do Abate é uma forma de pena de morte?

SIM

Lula suplanta Bush

WÁLTER FANGANIELLO MAIEROVITCH

Na "war on drugs" (guerra às drogas), o aluno Luiz Inácio Lula da Silva suplantou o seu professor, George W. Bush. Em menos de uma semana, com duas "penadas" irrefletidas e flagrantemente inconstitucionais, nosso presidente acabou legitimando a pena de morte no Brasil. Ou seja, regulamentou o tiro de abate de aeronaves, por suspeita de narcotráfico, e regrou o afundamento de embarcações tripuladas em mar territorial brasileiro.
Pior, Lula passa a falsa idéia de estar destruindo meros objetos materiais quando, na verdade, está a autorizar a morte de pessoas suspeitas e de tripulantes desavisados, como mulheres, idosos etc. Quanto aos inocentes tripulantes, usa-se a máxima calhorda de que os fins (repressão ao narcotráfico) justificam os meios (morte).
Na realidade, tudo não passa de pura militarização, imoderada e excessiva, no enfrentamento da questão das drogas ilegais, com execuções sumárias e decorrentes de suspeita. Nem a lição de duas tragédias de repercussão internacional, ocorridas em 1997 e 2001, sensibilizou o presidente Lula e o seu secretário nacional de Direitos Humanos.
Em 28 de março de 1997, uma Quinta-Feira Santa, a embarcação albanesa Kater I Rades foi avistada no mar Adriático pela fragata de guerra Sibilla, da Marinha italiana. A Kater transportava cerca de 200 imigrantes clandestinos, famintos e miseráveis. O comandante da Kater entendeu em fugir e, ao desviar dos tiros, afundou a embarcação. Resultado: 108 pessoas mortas, entre homens, mulheres e crianças. Apenas quatro corpos foram resgatados.
A outra execução sumária ocorreu no Peru, em 20 de abril de 2001. Uma base norte-americana avisou as autoridades peruanas sobre uma aeronave suspeita de narcotráfico. Um pequeno avião Cessna passou, então, a ser perseguido por dois jatos de guerra, sendo um peruano e o outro, norte-americano. O caça da Força Aérea do Peru acabou derrubando o Cessna a tiros, pois os oito avisos não foram atendidos: o rádio do Cessna estava quebrado e os sinais não foram compreendidos pelo piloto.
O avião abatido não transportava drogas ilícitas, mas um casal norte-americano de missionários metodistas e seus dois filhos. Na tragédia, morreram a mãe, Roni Bowers, de 35 anos, e o bebê Charity, de 7 meses.
A morte de duas cidadãs norte-americanas repercutiu no Congresso e o governo Bush suspendeu o fornecimento de informações aos países andinos e ao Brasil. Agora, o país que quiser deverá comprar informações das empresas privadas de segurança, tipo DynCorp, ou desenvolver seu próprio sistema de defesa, como o Sivam.
Os grandes traficantes de drogas e os chefões do tráfico de pessoas não acompanham os pilotos e os navegadores. Esses são "mulas" com brevês ou navegadores "laranjas". O megatraficante Pablo Escobar, por exemplo, nunca viajou nos aéreos do "Expresso da Cocaína". Conseguiu, no entanto, comprar e renovar a sua frota de aviões Cessna e Turbo Commander, com tanques adicionais, para a "Rota da Farinha", ou melhor, da Colômbia a Porto Rico, sem escalas.
Antes da tragédia do Peru, o governo norte-americano, por intermédio do então presidente Bill Clinton e do secretário Barry McCaffrey, forçou os países da América Latina a adotarem leis para a derrubada de aeronaves suspeitas de servirem ao narcotráfico. Durante anos, os EUA forneceram informações das suas bases de Key West, Aruba, Curaçao e Iquitos. Mais ainda, acompanhavam os ataques.
Convém observar que os negócios de compra de aeronaves, hidroaviões e embarcações são realizados por meio de financiamentos, com alienação fiduciária em garantia e testas-de-ferro. E não há fiscalização. No Brasil, a maior parte das pistas de uso privado para atividades lícitas é clandestina: a Aeronáutica não autorizou a construção e não fiscaliza o tráfego.
Com efeito, a solução militarizada aprovada pelo presidente Lula viola direitos e garantias individuais e atenta contra elementares regras de política criminal: um avião apreendido é vendido em leilão, financia programas preventivos e operações repressivas. O piloto preso pode virar colaborador da Justiça. Além disso, o combustível dos aparelhos termina e, com cooperação e sinergia, os envolvidos são presos.
Pelo que se nota a carta, subscrita por Lula, com críticas à linha da guerra às drogas e endereçada ao secretário-geral das Nações Unidas, em junho de 1998, não era para valer.
Pressionado pelo Congresso, depois da tragédia no Peru, o presidente George W. Bush suspendeu a oferta de informações para os abates e execuções sumários. Já o aluno Lula, mais rígido que o professor, passou a acreditar que matar é a solução.


Wálter Fanganiello Maierovitch, 57, juiz aposentado do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, é presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais Giovanne Falcone. Foi secretário nacional Antidrogas da Presidência da República (1999-2000).


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