São Paulo, sexta-feira, 24 de setembro de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Bravata de súdito

SÃO PAULO - Do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ao criticar o "novo colonialismo" em discurso nas Nações Unidas, em Nova York:
"Os antigos súditos converteram-se em devedores perpétuos do sistema econômico internacional".
Bom, a partir dessa frase, o brasileiro de boa-fé acreditaria piamente que, na volta ao Brasil, o presidente daria ordens a sua equipe para começar a modificar a situação de "devedores perpétuos do sistema financeiro internacional", certo?
Errado, porque os discursos em que Lula parece o Lula pré-eleição não passam de "uma homenagem protocolar ao passado", para utilizar frase piedosa de editorial do jornal "O Globo" na edição de ontem.
Ao voltar ao Brasil, o que Lula fez foi o inverso: aceitou a tese de aumentar o já obsceno superávit fiscal primário (receitas menos despesas, fora juros), o que significa comportamento de súdito subserviente.
Com isso, dinheiro que deveria ir para os arquinecessários investimentos sociais ou em infra-estrutura vão em quantidade ainda maior para pagar uma dívida que todo o mundo sabe que é impagável.
O superávit fiscal gerado até agora não foi capaz de reduzir a dívida como porcentagem do PIB (Produto Interno Bruto, medida da renda de um país). Pior: em dinheiro vivo, a dívida só faz aumentar.
Ao explicar que, com o dinheiro da economia adicional do governo, daria para fazer a transposição do São Francisco, a Folha usou uma comparação fraca.
O mais adequado seria dizer que, manter indefinidamente superávits fiscais extraordinários, significa não ter dinheiro para a transposição do Brasil da posição de país de desenvolvimento humano médio para país de desenvolvimento humano elevado, como deveria ser o objetivo férreo de qualquer governo e de qualquer cidadão decente.
Não é uma questão ideológica, mas de aritmética elementar, da qual o governo (e os fundamentalistas de mercado) foge sempre, a não ser na retórica para consumo externo.


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