São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JUROS POLÍTICOS

O tratamento de choque adotado pelo Copom (Comitê de Política Monetária) ao elevar a taxa de juros Selic em meio ponto percentual na semana passada atesta a determinação da equipe do Banco Central no cumprimento das metas de inflação. Os mercados financeiros nacionais e internacionais comemoraram o aumento potencial de seus lucros, já bastante elevados.
A decisão, no entanto, faz pouco sentido no momento em que os principais índices de inflação apresentam tendência de queda, a recuperação de renda permanece bastante incipiente para desencadear pressões inflacionárias generalizadas e há sinais de desaceleração industrial e nas vendas do comércio varejista, além de risco de desaquecimento da economia mundial.
A decisão do BC, embora possa ter justificativas compatíveis com seus modelos teóricos, parece associada com o ciclo político, ou seja, com o projeto do PT de permanecer no poder para além de 2006. Com o crescimento de 2004 garantido, o Copom prefere adequar o crescimento no ano que vem a um ritmo mais lento, que permita maior margem de manobra em 2006. Possíveis repasses de preços nos setores que operam a plena capacidade produtiva tendem a ser contidos. Com isso procura-se assegurar o cumprimento da ambiciosa meta de inflação de 2005 (5,1%), criando condições para que as rédeas da economia no ano eleitoral de 2006 possam ser afrouxadas.
Se esse cálculo político faz sentido, a relação custo/benefício da política monetária restritiva parece negativa. Procura-se alcançar uma redução de meio ponto percentual na taxa de inflação, desencadeando uma queda mais acentuada no PIB, que poderá recuar para cerca de 3,5% em 2005, com conseqüências indesejáveis para o setor produtivo e o emprego.
A recuperação econômica recente foi liderada inicialmente pelas exportações e, a seguir, ganhou dinamismo com a expansão do crédito doméstico. As exportações devem se desacelerar com a queda nos preços das commodities exportadas pelo país. Já uma taxa de juros real (descontada a inflação) de 9,97% ao ano e com tendência de alta certamente irá encarecer o crédito ao consumidor. Assim, os dois vetores da expansão econômica devem se enfraquecer. Com isso, podem-se deteriorar as expectativas de ampliação da capacidade produtiva, com os empresários recuando da decisão de investir.
Além disso, o Tesouro terá um gasto adicional estimado em R$ 2 bilhões com a dívida pública indexada à taxa Selic. Isso pode implicar mais superávit fiscal e comprometer os parcos investimentos em recuperação da infra-estrutura. Portanto, além de afetar o ritmo de expansão da demanda, que já emitia sinais de desaceleração, as decisões do Copom poderão atingir fatores cruciais para a sustentação de uma dinâmica de crescimento econômico mais vigoroso e contínuo.


Texto Anterior: Editoriais: ELEIÇÕES NO IMPÉRIO
Próximo Texto: Lisboa - Clovis Rossi: Salário, medo e esperança
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.