São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2004

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ELIANE CANTANHÊDE

Mentira

BRASÍLIA - Além de todas os adjetivos já ditos e repetidos sobre a nota do Exército no domingo passado, é bom que dois "detalhes" não passem em branco: havia ali uma rasgada mentira factual, com o uso do santo nome da Defesa em vão.
Eis o trecho: "Quanto às mortes que teriam ocorrido durante as operações [de repressão política], o Ministério da Defesa tem, insistentemente, enfatizado que não há documentos históricos que as comprovem".
O ministro da Defesa, José Viegas, tinha comemorado seu aniversário na véspera e estava dormindo quando foi acordado por um assessor, lá pelas 10h30. Ao ler a nota, quase teve um ataque apoplético.
Já é suficientemente polêmica a declaração reiterada de Viegas -como, de resto, do governo- de que os documentos sobre a guerrilha do Araguaia, se é que existiram um dia, foram incinerados, ninguém sabe, ninguém viu. Daí a dizer que não há documento nenhum da ditadura, nem comprovação das mortes?! Isso é a morte para meio governo, que também foi preso, torturado e teve amigos assassinados pelo regime.
Lula nunca disse essa mentira, nem Viegas, nem Márcio Thomaz Bastos, até porque seria uma indignidade. O Exército, portanto, nunca poderia ter dito. Muito menos alegando que o Ministério da Defesa "tem, insistentemente, enfatizado...".
É impressionante como as feridas daquela época reabrem com tanta rapidez e como as opiniões se formam apaixonadamente. Nota-se pela reação de ministros, assessores, parlamentares, familiares e leitores. Tudo isso movido pelo fantasma de documentos que estão por aí assombrando o passado e o presente.
As mortes existiram, os documentos existem para quem quiser e puder ver. Para entender, por exemplo, por que raios andam divulgando notas, a esta altura, enaltecendo a ditadura e defendendo os DOI-Codi da vida.
"Eu não creio em bruxas, mas que elas existem, existem." E é bom ficar de olho. O governo especialmente.


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