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CARLOS HEITOR CONY
Convenção de Genebra
RIO DE JANEIRO - Cela do Batalhão de Guardas, aqui em São Cristóvão,
dezembro de 1968. Joel Silveira e eu
estávamos presos havia uma semana
e eu começara a sentir uma falta desgraçada, não da liberdade, mas de
um pouco de sol nos meus ossos.
Sentia-me apodrecer por dentro e
por fora.
Todos os dias, o major Marsillac vinha conferir se tudo estava nos conformes dos regulamentos, demorava
pouco, apenas para ver se não tínhamos nos suicidado com um lençol ou
com a colher que traziam na hora
das refeições.
Até que ele descobriu: Joel era sergipano, como ele, da mesma cidade do
interior. Tornaram-se amigos, batiam longos papos. Com a intimidade nascida, Joel levantou o problema:
eu precisava tomar banho de sol, direito garantido pela Convenção de
Genebra a todos os presos do mundo,
inclusive aos condenados à morte.
"O meu amigo precisa tomar sol",
disse Joel. "A Convenção de Genebra...". "De quê!?", perguntou o major. "De Genebra", repetiu Joel.
Aterrado, o major olhou para mim.
Ficou afásico: "Sim, sim, sim, de Genebra", e saiu para tomar providências.
No dia seguinte, logo após a caneca
de lata ordinária com um café frio e
ralo, o major entrou na cela, jocundo: "O comandante autorizou o banho de sol... uma hora apenas, no pátio do quartel...".
Havia gozação no modo em que
me intimou a gozar aquele direito.
Perguntei ao Joel se ele também não
queria banhar-se de sol, beneficiar-se
da Convenção de Genebra. Joel estava lendo "São Bernardo", fora amigo
do velho Graça. Disse que não, nascera num lugar em que o sol queima
até durante a noite, na infância tomara sol para o resto de seus dias.
Ao sair da cela, entendi a gozação
do major: estava chovendo. Ele pensou que eu voltaria atrás, mas fui em
frente. Tirei a camisa e encarei o pátio. Em algum lugar havia a frase em
letras enormes: "A Guarda morre
mas não se rende". Fiz o contrário:
não morri e me rendi à chuva e à
provisória liberdade.
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