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São Paulo, quarta-feira, 24 de dezembro de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Duas estátuas

RIO DE JANEIRO - Eram dois mineiros, um de Itabira, outro de Ubá. Tanto fizeram que, além de morrer, transformaram-se em estátuas de bronze e estão na praia de Copacabana, um deles no Posto Seis, onde morava, outro no Leme, onde também morava.
Na semana passada, foi inaugurada a estátua de Ary Barroso, lembrando um pouco a de Fernando Pessoa, em Lisboa, sentado diante da mesa de um bar. A outra estátua é mais antiga e mais feliz. É a do poeta Carlos Drummond de Andrade num banco, com aquela cabeça baixa que ele mesmo se atribuiu em poema famoso.
Reparei nas duas estátuas. Vistas de longe, e com boa vontade, dão a impressão de que eles ali estão realmente. Fui vizinho de Drummond no Posto Seis, ele morando na rua Conde Lafayete, eu, na Raul Pompéia. Nunca o vi sentado num banco daqueles. Não gostava de ser reconhecido e jamais ficaria dando sopa a chatos que perturbam a vida dos outros.
Mas, se tivesse de escolher um lugar para viver a eternidade do bronze do qual é feito, certamente aprovaria o banco, embora sugerisse que ficasse olhando para o mar, e não para o complicado trânsito da Atlântica.
Ary era diferente. Quando estava sóbrio, gostava de ficar sozinho. Várias vezes o vi comendo numa mesa afastada, na mesma cantina que agora abriga a sua estátua. Mas, quando ficava alegre um pouco além da conta, gostava de ir de mesa em mesa, falando com todo mundo, brincando com os conhecidos, ficando íntimo dos desconhecidos.
Copacabana decaiu como bairro residencial. A praia continua bela, mas suas gentes migraram para Ipanema, Leblon e Barra. Drummond e Ary, ali plantados, falam de uma Copacabana que não existe mais, a Copacabana dos anos 50 e 60, quando se podia esbarrar nas ruas com um poeta como Drummond e com um compositor como Ary. No mesmo Posto Seis morava Guimarães Rosa (outro mineiro) e, no Leme, bem pertinho de Ary, a doce e enigmática Clarice Lispector. Sim, era uma outra Copacabana.


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