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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Feliz Natal, dr. Drauzio
SÃO PAULO - Drauzio Varella tem
um talento incomum para contar
histórias. Sabe fazê-lo como poucos
jornalistas. É uma qualidade acessória para um médico com trabalhos sociais tão relevantes.
Mas não é o doutor, e sim o paciente que faz de seu novo livro, "O
Médico Doente", uma pequena preciosidade. Drauzio descreve em detalhes a evolução da doença que por
muito pouco não o levou à morte. O
hipocondríaco que vive em cada um
de nós dá pulos de satisfação.
Drauzio contraiu febre amarela
no final de 2004, numa de suas freqüentes viagens ao rio Negro. Sua
vacina estava vencida fazia 20 anos.
O médico tão atento à saúde dos outros e tão zeloso com a sua própria
se vê traído por um descuido miserável, talvez excesso de confiança,
alguns diriam por um ato falho.
Seis dias depois dos primeiros
sintomas, já internado, sob doses
pesadas de morfina, ele tenta pegar
um copo d'água. Mal consegue sustentar o peso do braço. No domingo
anterior, quando voltou a São Paulo, havia corrido 18 km no Minhocão. O vírus o destruíra.
Imaginei, escreve Drauzio, "o que
pensaria se fosse o médico de alguém naquelas condições. Consegui fazê-lo com tal realismo que tive
a impressão febril de estar em pé,
de camisa de colarinho e gravata,
olhando para mim, deitado, de pijama, trêmulo de frio, com náuseas,
os olhos amarelos, o fígado aumentado, a voz fraca, a fala entremeada
de silêncios involuntários. (...) Ao
olhar para mim em pé a meu lado,
achei que os olhos do médico evitaram os meus. Senti vontade de perguntar se havia saída, mas recuei,
porque o induziria a mentir".
A descrição da sensação de estar,
à beira da morte, alheio e indiferente a tudo e a todos é um dos momentos mais fortes do livro. Tal honestidade não é para qualquer um.
Mas o médico, desta vez, foi enganado pelo paciente, que sobreviveu.
Ateu convicto, Drauzio não tirou do
episódio nenhuma lição metafísica.
Mas nos faz refletir um bocado sobre a brevidade e a loteria da vida.
Brindemos. A todos, feliz Natal.
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