São Paulo, quinta-feira, 25 de abril de 2002

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CLÓVIS ROSSI

Maquiagem talvez inútil

SÃO PAULO - A comprovação, pelos repórteres Rubens Valente e Eduardo Scolese, desta Folha, de que o governo maquiou os números da reforma agrária, para apresentar mais assentados do que de fato houve, lança suspeição sobre boa parte dos números do governo federal.
A observação, a bem da verdade, nem é minha, mas do ombudsman desta Folha, Bernardo Ajzenberg, em sua crítica interna de terça-feira. Aliás, ele estende a suspeição aos números de todos os demais níveis de governo.
Mas fiquemos na maquiagem comprovada. O difícil é dizer o que é mais grave, se a maquiagem ou se o que ela revela de uma, digamos, cultura de enganação.
Explico: os números sobre a reforma agrária no governo Fernando Henrique Cardoso, mesmo quando não maquiados, não são ruins. Podem estar aquém do necessário, podem não atender aos reclamos do MST (e oposição é feita mesmo para reclamar mais do que qualquer governo pode ou quer dar), mas não são ruins. Em especial, na comparação com governos anteriores.
Por que, então, essa compulsão por fazê-los parecer melhores do que de fato são? Talvez seja uma confiança cega na capacidade de vender gato por lebre (no caso, terreno baldio por assentamento), como se uma boa propaganda fosse mais importante do que informação veraz.
Em muitas das viagens do presidente Fernando Henrique Cardoso ao exterior, cansei de ouvi-lo dizer que seu governo fez, pela reforma agrária, mais do que todos os seus antecessores somados. Cheguei até a acreditar, pela ênfase com que o presidente fazia a afirmação e pela abundância de numeralha com que a amparava.
Talvez seja até verdade, mesmo descontados os exageros e a manipulação de dados comprovados pela Folha. Mas a descoberta e a exposição da maquiagem lança invencível suspeição sobre esse e outros supostos feitos do governo.


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