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CLÓVIS ROSSI
Maquiagem talvez inútil
SÃO PAULO - A comprovação, pelos repórteres Rubens Valente e Eduardo
Scolese, desta Folha, de que o governo maquiou os números da reforma
agrária, para apresentar mais assentados do que de fato houve, lança
suspeição sobre boa parte dos números do governo federal.
A observação, a bem da verdade,
nem é minha, mas do ombudsman
desta Folha, Bernardo Ajzenberg, em
sua crítica interna de terça-feira.
Aliás, ele estende a suspeição aos números de todos os demais níveis de
governo.
Mas fiquemos na maquiagem comprovada. O difícil é dizer o que é mais
grave, se a maquiagem ou se o que
ela revela de uma, digamos, cultura
de enganação.
Explico: os números sobre a reforma agrária no governo Fernando
Henrique Cardoso, mesmo quando
não maquiados, não são ruins. Podem estar aquém do necessário, podem não atender aos reclamos do
MST (e oposição é feita mesmo para
reclamar mais do que qualquer governo pode ou quer dar), mas não
são ruins. Em especial, na comparação com governos anteriores.
Por que, então, essa compulsão por
fazê-los parecer melhores do que de
fato são? Talvez seja uma confiança
cega na capacidade de vender gato
por lebre (no caso, terreno baldio por
assentamento), como se uma boa
propaganda fosse mais importante
do que informação veraz.
Em muitas das viagens do presidente Fernando Henrique Cardoso
ao exterior, cansei de ouvi-lo dizer
que seu governo fez, pela reforma
agrária, mais do que todos os seus
antecessores somados. Cheguei até a
acreditar, pela ênfase com que o presidente fazia a afirmação e pela
abundância de numeralha com que
a amparava.
Talvez seja até verdade, mesmo
descontados os exageros e a manipulação de dados comprovados pela
Folha. Mas a descoberta e a exposição da maquiagem lança invencível
suspeição sobre esse e outros supostos
feitos do governo.
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