São Paulo, terça-feira, 25 de maio de 2010

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Retrato do dunguismo

SÃO PAULO - Não há tradução melhor do dunguismo do que a imagem publicada pela Primeira Página da Folha de ontem. A cena capturada pelo fotógrafo Ricardo Nogueira vale por muitas palavras (www.folha.com.br/101448).
Ali estão quatro dos nossos atletas: Gilberto Silva, Felipe Melo, Grafite e Júlio Baptista. É provável que a imensa maioria dos brasileiros não saiba em que clube cada um deles joga. Não faz mal. Afinal, agora atuam todos "pela pátria".
Mas o que de fato chama a atenção na foto é o semblante de cada um e a atmosfera do conjunto. Dois deles olham para baixo; os outros dois parecem olhar mais para dentro do que para frente, absortos em si mesmos. Preocupação, humildade, obstinação e sofrimento se misturam nessa imagem, em que sobram carregadores e faltam pianos.
Vamos jogar bola ou vamos para a guerra? Não há dúvida: esses que vemos tão compenetrados são soldados-jogadores imbuídos de uma missão. Preparam-se para a batalha. No internato do professor Dunga, a alegria também parece ter sido confinada, como se representasse uma ameaça.
O contraste mais óbvio seria entre esse ambiente escolar e severo, de um lado, e, do outro, a leveza descontraída dos meninos da Vila, para os quais a dança coletiva que se segue ao gol parece ser a celebração do prazer de fazer a coisa certa fazendo arte.
Mas o dunguismo representa sobretudo uma reação punitiva ao que se costumou chamar de estrelismo da seleção de 2006. Furtando-se aos holofotes, o linha-dura afirma a tese de que os malabarismos, as embaixadinhas, as cambalhotas, as bolas presas na nuca e as gargalhadas de Ronaldinho e companhia durante os treinos eram sintomas de deslumbramento pueril.
Com sua palmatória, o dunguismo veio para vingar a molecagem da geração que sucumbiu ao próprio espetáculo. Esse é o recado. Está em curso uma patriotada que parece ruim da cabeça e doente do pé.


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