São Paulo, sexta, 25 de setembro de 1998

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A quem interessa?

ELIANE CANTANHÊDE

Brasília - Era só o que faltava a essa altura do campeonato: um cadáver.
O assassinato à queima-roupa do líder sem-terra Wenceslau Pereira da Silva, num assentamento próximo à fazenda do presidente da República, acaba sendo um fato político.
E especialmente grave a dez dias de uma eleição em que o presidente é candidato, com uma crise financeira de bom tamanho e bombas a esclarecer nas linhas de Furnas.
É evidente que não se está dizendo aqui, nem se poderia, que o governo teria alguma coisa com a história. Pelo contrário. Pode até ser uma vítima.
A questão é saber com clareza o que está por trás de um crime incomum. Wenceslau estava numa fila de alistamento de trabalho quando foi algemado e fuzilado na frente de várias pessoas. Quem o matou queria platéia.
A primeira hipótese é sempre a mais simples: uma briga pessoal, pelo controle de um sindicato, uma associação, uma mulher.
Não se pode, porém, abandonar outras hipóteses. Principalmente num crime cheio de símbolos e com algemas, assassinos loiros e barbudos em pleno centro do Brasil. Gente humilde costuma resolver essas coisas diretamente. Não contrata capangas.
O problema é que o fato está criado, e o cadáver existe. Mesmo se confirmada a hipótese de mera briga entre sem-terra, nada mais, haverá versões. E versões com viés político.
O governo está na defensiva, mas ancorado no fato de ter advertido, até exageradamente, que setores radicais estariam armando o MST e que poderia haver mortes.
O PT está na ofensiva, mas com a desvantagem de ficar mais com os ônus do que com os bônus de uma certa vinculação com o MST.
E há um desvio: o zunzum do envolvimento de policiais hostis ao governo do DF, onde também haverá eleição.
Nem as bombas de Itaipu conseguiram distrair o país da crise econômica. Resta saber a quantos palmos, e em quantos dias, vão enterrar o cadáver de Wenceslau.



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