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CARLOS HEITOR CONY
Prato cheio
RIO DE JANEIRO - Em conversa com Luís Edgar de Andrade, recebo seu
lamento sobre o desperdício da tecnologia que nos deu acesso ao e-mail
tarde demais para Otto Lara Resende, há dez anos desaparecido do
mundo e desta coluna.
Sem dispor do recurso eletrônico, apegado ao papel, à caneta, à máquina de escrever, Otto foi o cara que mais cartas, bilhetes e recados escritos mandou para os outros, não apenas para os amigos, mas até para desconhecidos e indiferentes.
A compulsão pela escrita levou-o a reescrever seu único romance centenas de vezes. Nas horas vagas, ele, que detestava telefone, bombardeava
a quem podia e não podia com seus bilhetes a propósito de tudo ou de nada.
Outro desperdício, este da ciência, foi o de Freud nunca ter tomado conhecimento dos sonhos do Joel Silveira. Leio sua notinha num jornal do
Rio, dizendo que seus sonhos seriam
um prato cheio para Freud. Conheço
do Joel o suficiente para lhe dar razão. A psicanálise seria outra se, em
vez de analisar sonhos de complicadas ou histéricas vienenses, conhecesse os de um sergipano que, antes mesmo de começar a vida, foi batizado
com o nome de Joel Magno, do clã
dos Silveiras.
De minha parte, também considero
que meus sonhos seriam um prato
cheio para Freud ou para qualquer
charlatão que julga entender dessas
coisas. São complicadíssimos, alguns
me divertem, outros me angustiam e,
uns pelos outros, todos têm a sua verdade recôndita, como aquela harmonia que o tenor canta na "Tosca".
Somando os dois desperdícios, o
tecnológico do Otto e o científico do
Joel, descubro que eles podem me beneficiar. Dispondo do recurso eletrônico para escrever e do prato cheio
que são os meus sonhos, não corro o
risco de ficar sem assunto.
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