São Paulo, Domingo, 26 de Setembro de 1999
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Haja paciência!

ELIANE CANTANHÊDE

Brasília - Como falar em ética na política num país que tem 7,5 milhões de analfabetos acima de 15 anos?
Com base em que informações, necessidades, impulsos e vontades votam esses e outros milhões de pessoas que não lêem jornais, pouco ou nunca vêem televisão, comem e moram mal?
E como é que nós, que lemos jornais, vemos televisão, viajamos e comemos (em geral mais do que devemos) podemos condenar aqueles do outro grupo que trocam voto por dinheiro, dentadura, sapato ou lote?
Complicado, não é? Para o ex-reitor da UnB e ex-governador Cristóvam Buarque, estudioso da ética na política, a única saída é "botar todo mundo na escola e ter paciência". Tem lá seu fundo de verdade, mas equivale a "deixar o bolo crescer para depois dividir". A distribuição nunca acontece.
O melhor é justamente não ter um pingo de paciência e tentar, primeiro, botar mesmo todo mundo na escola e, simultaneamente, proteger o voto. Como? Pregação, constrangimento e intimidação pura e simples.
A pregação cabe também a igrejas, entidades, universidades, escolas e imprensa. O constrangimento começa pelos partidos, que não podem sair filiando qualquer um. Continua pelo empresário, que alimenta candidatos que só vão engordar as ocorrências policiais e os processos de cassação. E é arrematado pelo juiz, que pode "cortar o mal pela raiz", cassando registros.
A intimidação tem que ser direta: leis duras, impugnações, multas daqui, cadeias dali. E, finalmente, mudança no artigo 53 da Constituição -o da "imunidade paralamentar", segundo um leitor bem-humorado.
Alguns discordam da idéia de cassar a vaga do partido junto com o deputado. Alegam que o Estado também seria punido. Rondônia, por exemplo, teria perdido três de suas oito vagas na Câmara numa só legislatura: Jabes Rabelo foi cassado em 91, Nobel Moura, em 93, e Raquel Cândido, em 94.
E daí? Ótimo. Nada poderia ser mais pedagógico, constrangedor e intimidatório. Rondônia passaria a votar melhor. E certamente seria melhor.



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