São Paulo, Domingo, 26 de Setembro de 1999
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Fogo na Notre Dame

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Retorno ao assunto da véspera, a divisão da manada humana em conservadores e liberais. Disse ontem que tanto Hitler como Mussolini detestavam os conservadores, julgavam-se mais do que liberais. Eram revolucionários.
Na verdade, eles liberaram seus países de preconceitos que consideravam reacionários. O respeito à vida, velharia que vinha desde o Sinai, precisava ser liberado, colocando-se a vida do cidadão a serviço do Estado. E foram por aí afora.
Há um exemplo que demonstra a transitividade dessas etiquetas ideológicas. Durante a Comuna de Paris, um dos movimentos mais liberais da história, surgiu a idéia de botar fogo na Notre Dame.
Não havia maior nem melhor símbolo do conservadorismo. Desde a arquitetura gótica, que expressava a fuga espiritual para o valor abstrato do paraíso celeste, até a materialidade daquelas pedras que foram regadas com o suor e o sangue da massa de operários escravizados pelo clero e pela nobreza.
Quem se insurgiu contra a idéia de botar fogo na catedral foi o poeta Paul Verlaine, insuspeito de conservadorismo em todos os sentidos, no político, no literário e até mesmo no sexual.
Não lembro em detalhes os argumentos que ele deu para convencer os companheiros de Comuna a desistir da idéia. Na certa, um ou outro mais radical deve ter acusado o poeta de conservador. Afinal, ele achava que se devia ""conservar" aquele conjunto idiota de pedras e vidros que expressava a dominação religiosa e política.
Notre Dame era, como é hoje, um patrimônio cultural e afetivo não apenas dos parisienses, mas dos franceses e de toda a humanidade.
Quando grudam em alguém a etiqueta de conservador ou liberal, sempre me pergunto: o que ele quer conservar? O que ele quer liberar?



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