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Fogo na Notre Dame
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - Retorno ao assunto
da véspera, a divisão da manada humana em conservadores e liberais.
Disse ontem que tanto Hitler como
Mussolini detestavam os conservadores, julgavam-se mais do que liberais.
Eram revolucionários.
Na verdade, eles liberaram seus países de preconceitos que consideravam
reacionários. O respeito à vida, velharia que vinha desde o Sinai, precisava
ser liberado, colocando-se a vida do cidadão a serviço do Estado. E foram
por aí afora.
Há um exemplo que demonstra a
transitividade dessas etiquetas ideológicas. Durante a Comuna de Paris, um
dos movimentos mais liberais da história, surgiu a idéia de botar fogo na
Notre Dame.
Não havia maior nem melhor símbolo do conservadorismo. Desde a arquitetura gótica, que expressava a fuga espiritual para o valor abstrato do
paraíso celeste, até a materialidade
daquelas pedras que foram regadas
com o suor e o sangue da massa de
operários escravizados pelo clero e pela nobreza.
Quem se insurgiu contra a idéia de
botar fogo na catedral foi o poeta Paul
Verlaine, insuspeito de conservadorismo em todos os sentidos, no político,
no literário e até mesmo no sexual.
Não lembro em detalhes os argumentos que ele deu para convencer os
companheiros de Comuna a desistir
da idéia. Na certa, um ou outro mais
radical deve ter acusado o poeta de
conservador. Afinal, ele achava que se
devia ""conservar" aquele conjunto
idiota de pedras e vidros que expressava a dominação religiosa e política.
Notre Dame era, como é hoje, um
patrimônio cultural e afetivo não apenas dos parisienses, mas dos franceses
e de toda a humanidade.
Quando grudam em alguém a etiqueta de conservador ou liberal, sempre me pergunto: o que ele quer conservar? O que ele quer liberar?
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