São Paulo, quinta-feira, 26 de dezembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

OTAVIO FRIAS FILHO

Alinhamentos

Sempre se disse que a política externa brasileira é matéria pacífica, que as principais correntes de opinião não têm divergências de monta nesse capítulo. Assentados os últimos problemas fronteiriços, há cem anos, tratou-se de neutralizar a possível ameaça argentina e de matizar a pesada influência norte-americana sobre o continente, resguardando algum espaço próprio.
Esse suposto consenso em torno das linhas gerais da diplomacia é menos consenso do que desinteresse. E desinteresse pragmático, no caso: incrustado numa região de baixo potencial de conflito, o Brasil não tem contenciosos expressivos nem adquiriu importância na geopolítica mundial. A política externa nunca foi, por isso, tema da política interna.
No entanto, outros fatores que mantinham a diplomacia em segundo plano estão desaparecendo. Não é preciso lembrar que o aumento vertiginoso das conexões -tecnológicas, culturais e financeiras- em âmbito internacional reaproxima a política interna e externa de cada país. As consequências locais do que acontece no exterior são mais violentas e imediatas.
Outro fator, que no passado recente facilitou ao Brasil manter uma política externa relativamente autônoma, quase sobranceira, era o caráter fechado, dito autárquico, da nossa economia. O apogeu dos dois fenômenos -na economia e na diplomacia- ocorreu, não por coincidência, no governo Geisel, quando o nível de atrito com os Estados Unidos subiu a alturas incomuns.
Vista em perspectiva, com o pendor generalizante que não se admite num especialista, a diplomacia brasileira passou por três movimentos desde o pós-guerra. Com o desaparecimento de Getúlio, teve início uma fase de cooperação crescente com os americanos, que se completou no governo Castelo Branco, o qual alinhou o Brasil com os Estados Unidos.
O curto período em que Jânio tentou infletir a diplomacia numa direção terceiro-mundista, equidistante das potências em conflito na Guerra Fria, foi só um espasmo. Esse espírito se instalaria no Itamaraty, porém, nos últimos governos do regime militar, marcando a política do assim chamado "pragmatismo responsável" que prevaleceu até o advento da gestão Collor.
Nos anos 90, a veleidade terceiro-mundista foi descartada e o Brasil voltou a ter uma política em linhas gerais mais alinhada com os americanos, ou com o Ocidente, se se preferir. O contencioso diminuiu nos aspectos retóricos e de política geral, mas aumentou no que diz respeito a negociações específicas, sobretudo as de natureza comercial.
Pelas indicações disponíveis, parece improvável que o governo Lula altere a diretriz que comanda esta terceira fase. O nível retórico talvez se eleve um pouco, para desaguar expectativas e funcionar de alguma forma como instrumento de pressão e barganha. Mas o Brasil, parece, continuará alinhado no geral e desalinhado na agenda específica.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


Texto Anterior: Rio de Janeiro - Gabriela Wolthers: Tem gente sobrando
Próximo Texto: Frases

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.