|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OTAVIO FRIAS FILHO
Alinhamentos
Sempre se disse que a política externa brasileira é matéria pacífica,
que as principais correntes de opinião
não têm divergências de monta nesse
capítulo. Assentados os últimos problemas fronteiriços, há cem anos, tratou-se de neutralizar a possível ameaça argentina e de matizar a pesada influência norte-americana sobre o continente, resguardando algum espaço
próprio.
Esse suposto consenso em torno das
linhas gerais da diplomacia é menos
consenso do que desinteresse. E desinteresse pragmático, no caso: incrustado numa região de baixo potencial de conflito, o Brasil não tem contenciosos expressivos nem adquiriu
importância na geopolítica mundial.
A política externa nunca foi, por isso,
tema da política interna.
No entanto, outros fatores que mantinham a diplomacia em segundo plano estão desaparecendo. Não é preciso lembrar que o aumento vertiginoso
das conexões -tecnológicas, culturais e financeiras- em âmbito internacional reaproxima a política interna
e externa de cada país. As consequências locais do que acontece no exterior
são mais violentas e imediatas.
Outro fator, que no passado recente
facilitou ao Brasil manter uma política
externa relativamente autônoma,
quase sobranceira, era o caráter fechado, dito autárquico, da nossa economia. O apogeu dos dois fenômenos
-na economia e na diplomacia-
ocorreu, não por coincidência, no governo Geisel, quando o nível de atrito
com os Estados Unidos subiu a alturas
incomuns.
Vista em perspectiva, com o pendor
generalizante que não se admite num
especialista, a diplomacia brasileira
passou por três movimentos desde o
pós-guerra. Com o desaparecimento
de Getúlio, teve início uma fase de
cooperação crescente com os americanos, que se completou no governo
Castelo Branco, o qual alinhou o Brasil
com os Estados Unidos.
O curto período em que Jânio tentou
infletir a diplomacia numa direção
terceiro-mundista, equidistante das
potências em conflito na Guerra Fria,
foi só um espasmo. Esse espírito se
instalaria no Itamaraty, porém, nos
últimos governos do regime militar,
marcando a política do assim chamado "pragmatismo responsável" que
prevaleceu até o advento da gestão
Collor.
Nos anos 90, a veleidade terceiro-mundista foi descartada e o Brasil voltou a ter uma política em linhas gerais
mais alinhada com os americanos, ou
com o Ocidente, se se preferir. O contencioso diminuiu nos aspectos retóricos e de política geral, mas aumentou no que diz respeito a negociações
específicas, sobretudo as de natureza
comercial.
Pelas indicações disponíveis, parece
improvável que o governo Lula altere
a diretriz que comanda esta terceira
fase. O nível retórico talvez se eleve um
pouco, para desaguar expectativas e
funcionar de alguma forma como instrumento de pressão e barganha. Mas
o Brasil, parece, continuará alinhado
no geral e desalinhado na agenda específica.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Gabriela Wolthers: Tem gente sobrando Próximo Texto: Frases
Índice
|