São Paulo, quinta-feira, 26 de dezembro de 2002 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Crise do pensamento crítico
DEMÉTRIO MAGNOLI
Quando o Muro de Berlim desabou, em novembro de 1989, Djalma Bom e outros dirigentes intermediários petistas participavam de uma "escola de quadros" promovida pelo partido comunista da Alemanha Oriental, num edifício do governo que foi cercado por uma multidão de manifestantes que exigia eleições livres e democracia. Na oposição a Collor e FHC, o PT experimentou a falência do "socialismo real" e debateu-se com os problemas teóricos e políticos gerados por essa falência. A reinvenção do PT ocorreu no ambiente de oposição às reformas de FHC. O fracasso internacional da alternativa socialista produziu um vácuo de idéias políticas, que foi preenchido regressivamente. Ao "neoliberalismo" de FHC, o PT contrapôs uma mistura requentada de idéias nacionalistas e desenvolvimentistas. Na sua vitoriosa campanha eleitoral, Lula apresentou-se, explicitamente, como sucessor de Vargas e JK e nem sequer deixou de exaltar o "planejamento estratégico" do regime militar, que, com todos os seus defeitos, teria pelo menos revelado a capacidade de elaborar um "projeto de nação". A conversão regressiva do PT ao conjunto de ideologias do nacional-desenvolvimentismo não assinala apenas uma renúncia ao socialismo, mas também uma ruptura com a ruptura promovida pelo pensamento crítico da década de 70. Na esfera política, essa "negação da negação" forma o campo no qual se move a atual política de alianças do governo Lula. Essas alianças abrangem, ecumenicamente, o extenso espectro que parte do PC do B stalinista, passa pelo populismo clientelista de Quércia e chega aos fragmentos oligárquicos representados por Sarney e cia. Na esfera intelectual, a "negação da negação" opera uma apostasia no pensamento crítico, sublima a crítica à aliança entre o Estado e o capital nacional e internacional e cola as peças quebradas da mitologia de Vargas e JK. Lula não vai, é claro, governar à la Vargas ou JK (muito menos à la Geisel). Há fortes indicações, como a escolha de Meirelles para o BC e a proposta de reforma previdenciária, de que o seu projeto inscreve-se na linha de continuidade dos governos de FHC. Mas a conversão regressiva do PT, mesmo se circunscrita à prática retórica, impede uma aliança com o PSDB, que seria mais natural e reconstituiria a árvore partida há duas décadas. Mais importante do que isso: essa conversão seca o copo do pensamento crítico que esclareceu o sentido histórico da modernização brasileira e libertou o debate político dos fantasmas de Vargas e JK. Demétrio Magnoli, 44, é doutor em geografia humana pela USP e editor do periódico "Mundo Geografia e Política Internacional". Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Roberto Leal Lobo e Maria Beatriz Lobo: O risco do retrocesso Índice |
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