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TENDÊNCIAS/DEBATES
O risco do retrocesso
ROBERTO LEAL LOBO e MARIA BEATRIZ LOBO
É verdade que não deve ser tomado como definitivo todo pronunciamento que é dado em época de troca
de governo, mas não deixam de causar
preocupação as últimas declarações do
membro do núcleo da educação do PT
sobre o ensino superior do Brasil.
É compreensível um alerta em relação
a uma possível aprovação desenfreada
de processos no apagar das luzes, como
já se viu outras vezes -o que seria uma
tristeza-, mas fala-se da suspensão das
autorizações de cursos superiores privados apoiada em alegações como "a
política de autorização de cursos superiores está provocando um sucateamento das universidades federais" ("O
Estado de S. Paulo", 22/11) e "o governo
não controla bem a qualidade do ensino
nas faculdades privadas" (Folha, 22/11).
Sem entrar no mérito da veracidade
ou não do sucateamento nas instituições de ensino superior (IES) federais, a
correlação estrita entre a expansão do
ensino privado e a falta de destinação de
verbas ou de políticas para aprimoramento do setor público é uma afirmação de cunho ideológico, uma vez que o
investimento para o crescimento do setor privado de ensino dá-se por meio de
financiamento também privado.
Sempre defendemos que a opção de o
ensino superior ser público, privado ou
misto não é uma questão ética, mas
uma decisão de política nacional, que
tem como origem uma diretriz de prioridade orçamentária. Onde investir os
parcos recursos públicos?
Como o Brasil definiu que pretende,
de acordo com o Plano Nacional de
Educação, alcançar o índice de 30% da
população de 18 a 24 anos educada em
nível superior (percentual ainda inferior ao de muitos países em desenvolvimento) até 2005, é preciso chegar a um
acordo no sentido de confirmar, ou não,
se essa expansão se dará pelo aumento
do atendimento no setor público em relação ao privado e em que proporção.
O próprio programa de governo do
presidente eleito apóia essa meta -cerca de 7 milhões de matrículas no ensino
superior- e especifica que 40% desse
número virá de vagas do sistema público e os outros 60% seriam originários
do setor privado. A suspensão da autorização de cursos superiores pode ser,
portanto, em um tiro no pé, se a razão
for baseada na mera restrição do crescimento do setor privado, e não na análise
rigorosa de critérios de qualidade.
E aí, ao falar de qualidade, entramos
na maior celeuma, decorrente da dificuldade em decidir se o melhor controle
da qualidade se dá a priori, na autorização de abertura de cursos, ou a posteriori, na avaliação de resultados e de condições de oferta -a exemplo do Exame
Nacional de Cursos e visita de comissões-, ou ambos.
Atualmente, o sistema de avaliação do
ensino superior compreende os dois
mecanismos e, apesar de estar longe de
ser perfeito, tem sido reconhecido, nacionalmente, como um avanço em relação aos sistemas anteriores.
Sempre defendemos que a opção de o ensino superior ser público, privado ou misto não é uma questão ética
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Estudos realizados a partir do Provão
pela Lobo & Associados Consultoria e
por outros segmentos da sociedade demonstram que, apesar do grande crescimento, a qualidade dos cursos novos,
ao contrário da opinião corrente, não é
pior, em média, do que a dos cursos antigos, sendo em alguns casos melhor.
Outra conclusão importante desses
estudos é que os mecanismos de controle, avaliação e credenciamento dos
cursos devem ter tido um efeito benéfico no que diz respeito à qualidade dos
cursos novos, pelo menos até as turmas
formadas em 2001.
É claro que todo o sistema pode -e
precisa- ser aperfeiçoado. Porém não
se deve andar para trás. É preciso que
cursos sem qualidade sofram, após
orientação e oportunidade de defesa e
de mudanças, as sanções cabíveis, incluindo seu fechamento.
Porém a simples suspensão do credenciamento de cursos, além de não resolver o problema, só beneficiaria as
universidades e os centros universitários que possuem autonomia legal para
abrir cursos e vagas, em detrimento das
instituições menores, que não apresentam desempenho pior do que as grandes para justificar tal medida.
Somos a favor de uma revisão dos critérios de composição do Conselho Nacional de Educação, que não deveriam
contemplar a possibilidade de participação de mantenedores, dirigentes e
consultores de IES privadas, e acreditamos que a solução está longe de ser a
volta da concentração da autorização
para a abertura, o credenciamento e o
recredenciamento de cursos e instituições nas mãos de um órgão executivo e
eminentemente político, o que poderia
ser um perigoso retrocesso.
Depositamos a esperança no futuro
do Brasil em outras propostas já anunciadas, como o aumento do crédito educativo, e esperamos que, a exemplo do
que tem sido defendido para outras
áreas de atuação do governo, o PT amplie a discussão dos problemas e soluções para o ensino superior, ouça a comunidade acadêmica e a sociedade e
conte com a experiência de gestores e
especialistas de IES públicas e também
privadas, para evitar equívocos que prejudicarão mais os alunos do que os
maus empresários da educação.
Roberto Leal Lobo e Silva Filho, 63, doutor em
física pela Universidade de Purdue (EUA), é diretor da Lobo & Associados Consultoria e Participações. Foi reitor da USP. Beatriz Lobo é diretora
da Lobo & Associados Consultoria. Foi vice-reitora da Universidade Mogi das Cruzes.
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