São Paulo, quinta-feira, 26 de dezembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O risco do retrocesso

ROBERTO LEAL LOBO e MARIA BEATRIZ LOBO

É verdade que não deve ser tomado como definitivo todo pronunciamento que é dado em época de troca de governo, mas não deixam de causar preocupação as últimas declarações do membro do núcleo da educação do PT sobre o ensino superior do Brasil.
É compreensível um alerta em relação a uma possível aprovação desenfreada de processos no apagar das luzes, como já se viu outras vezes -o que seria uma tristeza-, mas fala-se da suspensão das autorizações de cursos superiores privados apoiada em alegações como "a política de autorização de cursos superiores está provocando um sucateamento das universidades federais" ("O Estado de S. Paulo", 22/11) e "o governo não controla bem a qualidade do ensino nas faculdades privadas" (Folha, 22/11).
Sem entrar no mérito da veracidade ou não do sucateamento nas instituições de ensino superior (IES) federais, a correlação estrita entre a expansão do ensino privado e a falta de destinação de verbas ou de políticas para aprimoramento do setor público é uma afirmação de cunho ideológico, uma vez que o investimento para o crescimento do setor privado de ensino dá-se por meio de financiamento também privado.
Sempre defendemos que a opção de o ensino superior ser público, privado ou misto não é uma questão ética, mas uma decisão de política nacional, que tem como origem uma diretriz de prioridade orçamentária. Onde investir os parcos recursos públicos?
Como o Brasil definiu que pretende, de acordo com o Plano Nacional de Educação, alcançar o índice de 30% da população de 18 a 24 anos educada em nível superior (percentual ainda inferior ao de muitos países em desenvolvimento) até 2005, é preciso chegar a um acordo no sentido de confirmar, ou não, se essa expansão se dará pelo aumento do atendimento no setor público em relação ao privado e em que proporção.
O próprio programa de governo do presidente eleito apóia essa meta -cerca de 7 milhões de matrículas no ensino superior- e especifica que 40% desse número virá de vagas do sistema público e os outros 60% seriam originários do setor privado. A suspensão da autorização de cursos superiores pode ser, portanto, em um tiro no pé, se a razão for baseada na mera restrição do crescimento do setor privado, e não na análise rigorosa de critérios de qualidade.
E aí, ao falar de qualidade, entramos na maior celeuma, decorrente da dificuldade em decidir se o melhor controle da qualidade se dá a priori, na autorização de abertura de cursos, ou a posteriori, na avaliação de resultados e de condições de oferta -a exemplo do Exame Nacional de Cursos e visita de comissões-, ou ambos.
Atualmente, o sistema de avaliação do ensino superior compreende os dois mecanismos e, apesar de estar longe de ser perfeito, tem sido reconhecido, nacionalmente, como um avanço em relação aos sistemas anteriores.


Sempre defendemos que a opção de o ensino superior ser público, privado ou misto não é uma questão ética


Estudos realizados a partir do Provão pela Lobo & Associados Consultoria e por outros segmentos da sociedade demonstram que, apesar do grande crescimento, a qualidade dos cursos novos, ao contrário da opinião corrente, não é pior, em média, do que a dos cursos antigos, sendo em alguns casos melhor.
Outra conclusão importante desses estudos é que os mecanismos de controle, avaliação e credenciamento dos cursos devem ter tido um efeito benéfico no que diz respeito à qualidade dos cursos novos, pelo menos até as turmas formadas em 2001.
É claro que todo o sistema pode -e precisa- ser aperfeiçoado. Porém não se deve andar para trás. É preciso que cursos sem qualidade sofram, após orientação e oportunidade de defesa e de mudanças, as sanções cabíveis, incluindo seu fechamento.
Porém a simples suspensão do credenciamento de cursos, além de não resolver o problema, só beneficiaria as universidades e os centros universitários que possuem autonomia legal para abrir cursos e vagas, em detrimento das instituições menores, que não apresentam desempenho pior do que as grandes para justificar tal medida.
Somos a favor de uma revisão dos critérios de composição do Conselho Nacional de Educação, que não deveriam contemplar a possibilidade de participação de mantenedores, dirigentes e consultores de IES privadas, e acreditamos que a solução está longe de ser a volta da concentração da autorização para a abertura, o credenciamento e o recredenciamento de cursos e instituições nas mãos de um órgão executivo e eminentemente político, o que poderia ser um perigoso retrocesso.
Depositamos a esperança no futuro do Brasil em outras propostas já anunciadas, como o aumento do crédito educativo, e esperamos que, a exemplo do que tem sido defendido para outras áreas de atuação do governo, o PT amplie a discussão dos problemas e soluções para o ensino superior, ouça a comunidade acadêmica e a sociedade e conte com a experiência de gestores e especialistas de IES públicas e também privadas, para evitar equívocos que prejudicarão mais os alunos do que os maus empresários da educação.

Roberto Leal Lobo e Silva Filho, 63, doutor em física pela Universidade de Purdue (EUA), é diretor da Lobo & Associados Consultoria e Participações. Foi reitor da USP. Beatriz Lobo é diretora da Lobo & Associados Consultoria. Foi vice-reitora da Universidade Mogi das Cruzes.


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