São Paulo, sexta-feira, 27 de fevereiro de 2004

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ELIANE CANTANHÊDE

Se colar, colou

CARACAS - As embaixadas estrangeiras, inclusive, ou principalmente, a do Brasil, estão sob fogo cruzado aqui na Venezuela. A imensa, mas difusa, oposição passou ontem por uma a uma distribuindo documentos contra o presidente Hugo Chávez. A igualmente imensa, mas nada arrumadinha, turma do Chávez promete fazer o mesmo percurso para defendê-lo.
No centro de tudo, a decisão do CNE (Conselho Nacional Eleitoral) de mandar checar mais de um milhão de assinaturas do abaixo-assinado que pede um "referendo revogatório" para apear Chávez do poder antes do tempo. A oposição diz que as assinaturas estão perfeitas e que o governo manipula o CNE. A situação acusa a oposição de ter apresentado dezenas de planilhas com letras iguais e de ter coagido os signatários.
A União Européia manifestou-se contra a decisão do CNE e, portanto, a favor da oposição e da realização do referendo. Os EUA -adivinhe!- declararam que a vontade da maioria não pode ser atropelada por "detalhes técnicos". Leia-se: referendo já!
Com esse isolamento de Chávez, a pergunta que não quer calar é: por que raios Lula se mete na Venezuela logo agora? Não dá para ser pró-Chávez nem anti-Chávez, e ninguém agüenta mais a lengalenga de que o Brasil quer "uma saída constitucional, pacífica, democrática e eleitoral" -que é o que Lula, por falta de opção, deve repetir hoje no encontro com Chávez e o argentino Kirchner.
A verdade é que o projeto original de Chávez tinha tudo a ver, mas ele botou tudo a perder com sua cruzada anti-EUA e antineoliberalismo, rompendo com igreja, universidades, empresas, mídia e classe média em geral. Sobrou pouco do projeto, e Chávez está cada vez mais como Fidel: ilhado e levando a coisa no gogó.
Os países estão se descolando desse Titanic. Até mesmo a Argentina de Kirchner, que rechaça o tal eixo Caracas-Brasília-Buenos Aires contra os EUA ou o que quer que seja. Só falta o Brasil.
Lula decidiu antecipar a volta a Brasília para hoje, talvez por perceber que, se colar, colou. Depois, fica tarde demais para descolar.


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