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São Paulo, terça-feira, 27 de maio de 2003

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CLÓVIS ROSSI

Calote com outro nome

SÃO PAULO - Devagarinho, com muito pudor, vai voltando à agenda latino-americana um clássico dos anos 70: pagar ou não a dívida (interna ou externa).
Sinais mais recentes: o presidente do Peru, Alejandro Toledo, sugere que 20% do que os países latino-americanos pagam sirva para formar um fundo destinado a financiar obras de infra-estrutura.
Traduzindo: não dá para pagar a dívida e, ao mesmo tempo, cuidar da infra-estrutura.
Sinal 2: o discurso em que o presidente da Argentina, Néstor Kirchner, volta à retórica que usaria Tancredo Neves no discurso da posse que não houve. Algo na linha de não dá para pagar a dívida à custa da fome do povo. É uma frase clássica, que ficou esquecida nos longos anos de messianismo neoliberal.
Volta agora que o messianismo mostrou-se insuficiente ou fracassado, ao gosto de cada qual.
No Brasil, na semana passada, o Ministério da Justiça lançou o balão de ensaio da taxação sobre empresas privadas de segurança, para financiar uma força-tarefa de combate ao crime organizado.
Aí também está a confissão quase explícita de que, com o que sobra do superávit fiscal a que se comprometeu o governo Lula, não dá para combater o crime organizado. Logo, ou se reduz o superávit, de forma a liberar dinheiro para uma necessidade absolutamente inadiável, ou o crime organizado continuará lampeiro por aí. Esse é o recado subliminar.
O que tem isso a ver com a dívida? Tudo. O superávit é feito para que os credores durmam tranquilos, na certeza de que o governo vai pagar tudinho, religiosamente.
Cedo ou tarde, vai-se verificar que não dá para pagar a dívida nos termos vigentes e ainda combater o crime organizado, sem falar todos os outros combates pendentes, no Brasil como na América Latina.
Não é uma questão ideológica, mas de aritmética pura: as necessidades superam os meios.


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