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CLÓVIS ROSSI
Calote com outro nome
SÃO PAULO - Devagarinho, com muito pudor, vai voltando à agenda
latino-americana um clássico dos
anos 70: pagar ou não a dívida (interna ou externa).
Sinais mais recentes: o presidente
do Peru, Alejandro Toledo, sugere
que 20% do que os países latino-americanos pagam sirva para formar um
fundo destinado a financiar obras de
infra-estrutura.
Traduzindo: não dá para pagar a
dívida e, ao mesmo tempo, cuidar da
infra-estrutura.
Sinal 2: o discurso em que o presidente da Argentina, Néstor Kirchner,
volta à retórica que usaria Tancredo
Neves no discurso da posse que não
houve. Algo na linha de não dá para
pagar a dívida à custa da fome do povo. É uma frase clássica, que ficou esquecida nos longos anos de messianismo neoliberal.
Volta agora que o messianismo
mostrou-se insuficiente ou fracassado, ao gosto de cada qual.
No Brasil, na semana passada, o
Ministério da Justiça lançou o balão
de ensaio da taxação sobre empresas
privadas de segurança, para financiar uma força-tarefa de combate ao
crime organizado.
Aí também está a confissão quase
explícita de que, com o que sobra do
superávit fiscal a que se comprometeu o governo Lula, não dá para combater o crime organizado. Logo, ou se
reduz o superávit, de forma a liberar
dinheiro para uma necessidade absolutamente inadiável, ou o crime organizado continuará lampeiro por
aí. Esse é o recado subliminar.
O que tem isso a ver com a dívida?
Tudo. O superávit é feito para que os
credores durmam tranquilos, na certeza de que o governo vai pagar tudinho, religiosamente.
Cedo ou tarde, vai-se verificar que
não dá para pagar a dívida nos termos vigentes e ainda combater o crime organizado, sem falar todos os
outros combates pendentes, no Brasil
como na América Latina.
Não é uma questão ideológica, mas
de aritmética pura: as necessidades
superam os meios.
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