São Paulo, quinta-feira, 27 de maio de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

CLAUDIA ANTUNES

ONGs.gov

RIO DE JANEIRO - Que FHC e Bill Clinton tenham virado ONGs, como constatou jocosamente o ex-presidente americano na inauguração do Instituto Fernando Henrique Cardoso, é mais uma prova da fascinante capacidade antropofágica do capitalismo, que digere e inverte a seu favor tudo o que parece ser-lhe hostil. Foi assim com a imagem de Che Guevara e com o movimento verde e é assim agora com as organizações não-governamentais.
Fruto da contracultura dos anos 60, as ONGs proliferaram nas duas últimas décadas, período de desregulamentação do sistema econômico mundial e de redução da autonomia das nações, especialmente as mais fracas. Consagrou-se a expressão terceiro setor, que inclui também fundações e instituições filantrópicas.
Saudadas como expressão da resistência e da solidariedade da sociedade civil, as ONGs passaram a assumir tarefas que antes eram dos governos, mas se tornaram cada vez mais dependentes de verbas oficiais. Como aponta a paquistanesa Humeira Iqtidar, em texto para o Fórum Social Mundial, o ativismo político diminuiu e cada grupo passou a cuidar de suas mulheres oprimidas, de suas crianças de rua e de suas florestas como se essas causas, todas muito justas, fossem isoladas do mundo.
No Brasil, os anos 90 foram um marco da terceirização das atividades do Estado sem que mecanismos eficientes de avaliação dos resultados das tarefas delegadas tenham sido estabelecidos. O caso da Ágora, ONG premiada de um amigo de Lula que recebeu dinheiro de vários governos e acaba de ser flagrada com notas frias, parece apenas a borda de uma cratera pouco explorada.
Iqtidar cita o professor David Hulme, da Universidade de Manchester, organizador de três livros sobre a explosão das ONGs e a necessidade de maior transparência em suas ações. Num deles, Hulme questiona se parte das organizações não-governamentais, depois de perder sua independência, não estaria mais perto dos poderosos do que dos despossuídos .


Texto Anterior: Brasília - Valdo Cruz: Crise, que crise?
Próximo Texto: Otavio Frias Filho: Urânio para a China
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.