São Paulo, quinta-feira, 27 de maio de 2004

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OTAVIO FRIAS FILHO

Urânio para a China

Os governos do Brasil e da China manifestaram o propósito de estabelecer um acordo de cooperação nuclear. Sexta maior reserva de urânio do mundo, o Brasil forneceria a substância aos chineses, que a processariam para ser utilizada em usinas nucleares. Os recursos dessa venda seriam investidos no programa nuclear brasileiro.
Para gerar energia de qualquer tipo, o urânio precisa ser enriquecido, processo pelo qual se aumenta a concentração do elemento, que aparece na natureza de forma impura e rarefeita. O Brasil domina a primeira fase desse processamento e está próximo de alcançar o ciclo completo nas instalações de Resende (RJ), cuja vistoria internacional é alvo de polêmica.
Com pouco enriquecimento, o urânio é combustível para usinas de produção de energia elétrica. Com enriquecimento médio, funciona como combustível para submarinos. O Brasil só admite seu interesse nessas duas possibilidades, reiterando a todo tempo que abdica do alto enriquecimento, destinado à produção de bombas nucleares.
O avanço brasileiro -e de outros países em desenvolvimento- na área de tecnologia nuclear tem causado alguma inquietação em áreas sensíveis do governo americano e da mídia daquele país. Embora o Brasil não tenha contenciosos problemáticos nem tradição beligerante, num ambiente paranóico como o atual tudo passa a ser motivo de alarme.
O cenário mais temido -sobretudo, mas não apenas, pelos americanos- seria aquele em que vários países "irresponsáveis" tivessem acesso a armamento nuclear. O número de governos que dispõem desse terrível recurso tem crescido desde 1945: Estados Unidos, Rússia, Inglaterra, França, China, Índia, Paquistão, provavelmente Israel.
A humanidade tem sabido evitar, desde as atrocidades de Hiroshima e Nagasaki, o uso de recurso tão devastador quanto imprevisível. Diz-se que bomba nuclear é um instrumento para ter, não para usar. A possibilidade de retaliação imediata é o que tem contido os governos que podem empregá-lo. Mas a proliferação, é claro, só aumenta o risco.
A opinião pública brasileira é pacifista. São raras -e até agora quase folclóricas- as manifestações a favor de um programa militar atômico no Brasil. A visão do Itamaraty sempre foi a de que não convém ao país-líder de uma região deflagrar uma corrida nuclear: seu vizinho seria forçado a acompanhá-lo e a vantagem prévia desapareceria.
Foi exatamente o que se passou entre dois rivais asiáticos, Índia e Paquistão, hoje paralisados pelo medo um do outro. Por mais que a Argentina tenha perdido peso estratégico, flertar com a idéia parece um risco desnecessário, perigoso e caro. Que nosso programa prossiga e se mantenha, como tem sido, pacífico.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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