São Paulo, quinta-feira, 27 de maio de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Ciência, tecnologia e defesa

JOSÉ VIEGAS FILHO, ROBERTO AMARAL, LUIS FERNANDES, RONALDO SARDENBERG, SEBASTIÃO DO REGO BARROS, ALBERTO MENDES CARDOSO, ERNEY PLESSMANN CAMARGO e CARLOS HENRIQUE DE BRITO CRUZ

A título pessoal, participamos recentemente de um encontro promovido pelo Ministério da Defesa para debater o papel da ciência e da tecnologia na defesa da soberania nacional.
Ao discutirmos o tema, em ambiente de total liberdade e franqueza, foi gratificante observar que, a despeito da variedade de nossas trajetórias, partilhamos a mesma opinião sobre um conjunto de questões que julgamos muito importantes para a afirmação do Brasil como nação soberana e para a proteção do seu povo e do seu território.
Antes de mais nada, convergimos na percepção de que a soberania pressupõe o desenvolvimento econômico e social e, por isso mesmo, implica atenção prioritária à educação e à busca do conhecimento.
Pareceu-nos também claro inexistir qualquer possibilidade de implementação de uma política de proteção e defesa eficaz sem uma forte base em ciência e tecnologia. A produção e a difusão do conhecimento constituem, cada vez mais, fonte de poder e, por conseqüência, fator-chave na hierarquia das nações. O desenvolvimento internacional da ciência e da tecnologia cria, ele próprio, novas vulnerabilidades e ameaças, para as quais um país grande e que tem muito a proteger, como o Brasil, não pode deixar de estar adequadamente preparado.


A tecnologia e a inovação trazem embutido o risco de que se amplie o desequilíbrio de poder entre as nações


Nesse contexto, coincidimos em que nenhum país pode abdicar de esforços nacionais em uma área tão crucial quanto a da ciência e tecnologia. E a construção de uma base científico-tecnológica condizente com as nossas aspirações e possibilidades depende, essencialmente, do que sejamos capazes de desenvolver "em casa", sem prejuízo de parcerias internacionais, mas cientes das restrições existentes para a transferência internacional de tecnologia.
Uma carência que se torna evidente quando se examinam os dados sobre as atividades de pesquisa e desenvolvimento no Brasil é a reduzida participação empresarial naquelas atividades. Por diversos motivos, o apoio estatal a atividades de P&D em empresas é necessário e configura prática comum em países desenvolvidos. É preciso explorar fórmulas adequadas à nossa realidade para incentivar a pesquisa empresarial no país.
No plano específico do fortalecimento da base científica nacional em matéria de defesa e do aproveitamento civil de materiais de emprego militar, salta aos olhos a importância dos centros de excelência das Forças Armadas, como o Instituto Militar de Engenharia e o Instituto Tecnológico da Aeronáutica. Da mesma forma, sobressai a conveniência de uma articulação mais estreita entre as vertentes militar e civil das atividades de pesquisa e desenvolvimento. Os casos de êxito, como o da Embraer, cuja origem se encontra em instituições de pesquisa da Aeronáutica, devem incentivar nosso país na busca de sinergias nesse campo.
Entre os desdobramentos positivos que verificamos no nosso encontro, inclui-se a continuidade, por sucessivas administrações do Ministério da Ciência e Tecnologia, de determinadas diretrizes centrais. Consideramos fundamental, em particular, a parceria estabelecida entre o MCT, o Ministério da Defesa e o BNDES para levar adiante iniciativas de interesse comum.
A disposição ao fortalecimento da indispensável coordenação entre as áreas de defesa e ciência e tecnologia ficou também patente na orientação expressa pelo MCT de adotar, como um dos eixos básicos que norteiam sua atuação, a colaboração para os objetivos estratégicos nacionais, com destaque para o programa espacial, o programa nuclear, a integração da Amazônia e a cooperação internacional. Na área internacional, entendemos que merecem ser explorados caminhos de integração da América do Sul em indústria de defesa e perspectivas de intercâmbio com outros países que se têm mostrado dispostos à cooperação.
São inúmeros os campos do conhecimento científico e tecnológico de interesse para a defesa da nossa soberania, entendida em suas dimensões nacional e democrática, econômica e social. Identificamos vários daqueles campos. Atentamos, em especial, para a nanotecnologia -uma das áreas cujo desenvolvimento é considerado indispensável ao êxito da política industrial recém-lançada pelo governo federal e cujas aplicações no setor de defesa são múltiplas; para a necessidade brasileira de dispor, sem prejuízo do uso da fibra ótica, de uma constelação de satélites; para a retomada vigorosa do programa espacial; para o desenvolvimento de equipamentos pessoais modernos e leves; e para a aceleração do programa nuclear.
Em suma, coincidimos na nossa percepção de que a ciência, a tecnologia e a inovação trazem embutido o risco de que se amplie o desequilíbrio de poder entre as nações e coincidimos na nossa convicção de que o Brasil não deve poupar esforços para evitar que isso aconteça. Trata-se, aqui, de um claro pressuposto para a defesa da soberania nacional.

José Viegas Filho, 61, diplomata, é o ministro da Defesa. Roberto Amaral, 62, advogado e cientista político, é vice-presidente nacional do PSB. Foi ministro da Ciência e Tecnologia (2003-2004). Luis Manoel Rebelo Fernandes, 46, doutor em ciência política e sociologia, é secretário-executivo do Ministério da Ciência e Tecnologia. Ronaldo Mota Sardenberg, 63, é embaixador do Brasil na ONU. Foi ministro da Ciência e Tecnologia e secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (governo FHC). Sebastião do Rego Barros, 64, embaixador, é diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo. Alberto Mendes Cardoso, 63, general-de-divisão do Exército, é secretário de Ciência e Tecnologia do Exército. Foi ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República (governo FHC). Erney Plessmann Camargo, 69, é presidente do CNPq. Carlos Henrique de Brito Cruz, 47, doutor em física pela Unicamp, é o reitor da universidade. Foi presidente da Fapesp (1996-2002).


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