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Desonestidade explícita
CLÓVIS ROSSI
São Paulo - A Secretaria de Inteligência da Presidência acaba de descobrir o óbvio: o demônio não é o MST
(Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), mas a fome.
É a única conclusão cabível depois
que inquéritos da Polícia Federal,
compilados pela inteligência palaciana, demonstraram que o MST não teve o menor envolvimento em 80% dos
saques efetuados no Nordeste.
Com isso, fica claro que o governo
praticou cenas explícitas de desonestidade política ao satanizar o MST.
Tentou passar a impressão de que a
raiz do problema está na ação supostamente subversiva dos sem-terra e,
por extensão, de seu parente político,
o PT.
Não está. Está, ciclicamente, na seca,
que leva à fome. Está, estruturalmente, na miséria crônica de uma ponderável fatia de brasileiros, mais disseminada, como é óbvio, nas regiões
mais atrasadas, caso do Nordeste.
Ou, posto de outra forma, ainda que
fossem presos todos os líderes do MST
e, até, todos os seus militantes, o problema continuaria rigorosamente do
mesmo tamanho.
De certa forma, o governo FHC acaba reproduzindo o comportamento do
regime militar, que, a certa altura,
censurou o noticiário sobre um surto
de meningite em São Paulo, como se
fosse possível acabar com a doença a
golpes da tesoura dos censores, em vez
de fazê-lo via tratamento e prevenção.
Vale o mesmo para a seca e os saques. Ou algum governo finalmente
encara de frente o problema, já secular, e trata de irrigar as terras áridas
(o que é possível fazer, como demonstrou recente reportagem desta Folha)
ou a seca se repetirá e, com ela, virão
os saques. Afinal, qual é o pai ou a
mãe que, vendo o filho se contorcendo
de fome, não irá até os últimos limites
para tratar de ao menos aplacar a sua
dor?
Mas ir à raiz do problema é bem
mais difícil, embora bem mais honesto, do que culpar os adversários.
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