São Paulo, quarta, 27 de maio de 1998

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Desonestidade explícita

CLÓVIS ROSSI

São Paulo - A Secretaria de Inteligência da Presidência acaba de descobrir o óbvio: o demônio não é o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), mas a fome.
É a única conclusão cabível depois que inquéritos da Polícia Federal, compilados pela inteligência palaciana, demonstraram que o MST não teve o menor envolvimento em 80% dos saques efetuados no Nordeste.
Com isso, fica claro que o governo praticou cenas explícitas de desonestidade política ao satanizar o MST. Tentou passar a impressão de que a raiz do problema está na ação supostamente subversiva dos sem-terra e, por extensão, de seu parente político, o PT.
Não está. Está, ciclicamente, na seca, que leva à fome. Está, estruturalmente, na miséria crônica de uma ponderável fatia de brasileiros, mais disseminada, como é óbvio, nas regiões mais atrasadas, caso do Nordeste.
Ou, posto de outra forma, ainda que fossem presos todos os líderes do MST e, até, todos os seus militantes, o problema continuaria rigorosamente do mesmo tamanho.
De certa forma, o governo FHC acaba reproduzindo o comportamento do regime militar, que, a certa altura, censurou o noticiário sobre um surto de meningite em São Paulo, como se fosse possível acabar com a doença a golpes da tesoura dos censores, em vez de fazê-lo via tratamento e prevenção.
Vale o mesmo para a seca e os saques. Ou algum governo finalmente encara de frente o problema, já secular, e trata de irrigar as terras áridas (o que é possível fazer, como demonstrou recente reportagem desta Folha) ou a seca se repetirá e, com ela, virão os saques. Afinal, qual é o pai ou a mãe que, vendo o filho se contorcendo de fome, não irá até os últimos limites para tratar de ao menos aplacar a sua dor?
Mas ir à raiz do problema é bem mais difícil, embora bem mais honesto, do que culpar os adversários.



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