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CARLOS HEITOR CONY
Conselho da moça
RIO DE JANEIRO - Custei a identificar o e-mail. Há mais de um ano que
nada recebia daquela moça que, durante algum tempo, cismou comigo e
me mandava mensagens esquisitas,
reclamando de meu pessimismo, de
meus adjetivos e, sobretudo, de meu
péssimo humor.
Por coincidência, numa reunião
em que fui convidado para fazer uma
palestra, ela se apresentou, batemos
um papo cordial, no dia seguinte a
mensagem dela foi amena. Pessoalmente, eu não era tão intragável, elogiou meu bom humor, bem carioca,
descambado um pouco para o deboche.
Tudo isso me foi favorável e subi de
cotação com a leitora. Subi tanto que
ela me abandonou. Deixou de ler o
que escrevo, ou achou que não devia
gastar boa cera com mau defunto.
Eis que, subitamente, aparece um
e-mail, como se fosse de uma velha
conhecida, de uma amiga que não se
vê há anos. Limitou-se a reclamar da
falta de notícias minhas. Que eu desse retorno.
Dei. Mandei-lhe as notícias de que
dispunha na ocasião: o assalto ao
ônibus na rua Jardim Botânico, a vitória do Flamengo, a subida do Maluf nas pesquisas para prefeito de São
Paulo, o título ganho por Guga e a cotação da juta no mercado de Melbourne.
A moça ficou aquilo dentro da roupa -se é que estava de roupa quando abriu a caixa postal dela. Passou-me longa e merecida esculhambação.
E, achando que era pouco, investiu
contra a toda humanidade acima
dos 50 anos de idade, na qual me incluía. Uma cambada de esclerosados,
dignos de extermínio.
Segundo ela, o mundo só será melhor no dia em que cada um que chegar aos 50 anos, após as preces e despedidas de praxe, der um tiro nos
miolos, deixando o mundo menos
poluído e mais solidário.
É uma idéia. Quem sabe, até que
uma boa idéia. Não prometo nada,
por ora. Mas, se me acontecer alguma coisa de irreparável, a moça ficará sabendo que segui seu conselho.
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