São Paulo, sábado, 27 de agosto de 2005

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CENAS DO CRIME

Uma senhora de 80 anos, munida de uma câmera de vídeo, grava da janela de seu apartamento uma série de imagens de traficantes atuando a céu aberto. O fato poderia ter ocorrido em muitas cidades brasileiras, mas se deu no bairro de Copacabana, no Rio de Janeiro. As cenas incluem desde marginais desfilando acintosamente com armas pesadas até crianças consumindo entorpecentes ali mesmo, na rua.
Entregues às autoridades, as fitas gravadas ao longo de dois dois anos deram origem a uma operação que, até agora, teve como saldo a prisão 22 pessoas. Nada menos do que nove policiais -quase a metade do total dos presos- foram encarcerados e serão submetidos a inquérito.
Em que pesem os resultados da ação e a evidente nobreza e coragem da cidadã, seria preciso uma ingenuidade sem limites para crer que ninguém em toda força policial do Rio soubesse das atividades que o narcotráfico exerce com tanta desenvoltura naquela área da cidade. É impossível crer que a polícia só tenha tomado conhecimento dos fatos devido à iniciativa da corajosa e indignada octogenária.
Não é nem mesmo apropriado dizer que episódios como esse revelam a realidade do tráfico. Essa já é bastante conhecida pela sociedade brasileira e, sobretudo, pelos policiais. Talvez o mais apropriado seja ver no caso um misto de descaso e de colaboração entre maus policiais e o narcotráfico. De fato, beira o grotesco que uma autoridade de segurança tenha vindo agradecer à senhora como se ela tivesse realizado algo que a polícia procurava, mas não encontrava meios de fazer.
Nada mais simples do que um agente lançar mão de uma câmera, ocultar-se e registrar cenas do tráfico. Quando uma aposentada de 80 anos mostra-se mais eficiente do que policiais na identificação de traficantes, parece haver algo de errado no combate ao crime.


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