São Paulo, sábado, 27 de agosto de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O Brasil deveria adotar uma nova política econômica?

NÃO

O canto do cisne

ROBERTO LUIS TROSTER

A expressão usada como título se refere ao fato de que o cisne executa seu canto mais lindo ao pressentir a morte. Em sua demorada agonia, o neopopulismo tupiniquim está cantando seu discurso mais sedutor ao propor mudanças na política econômica. Mas anuncia o fim de uma escola de pensamento que não convence mais.
O populismo é o responsável pelo desempenho econômico pífio das últimas décadas no Brasil e em alguns de seus vizinhos. A experiência acumulada mostra que sua aplicação produz bolhas de crescimento seguidas de recessões, concentração de renda, arrochos, confiscos e moratórias, encurtando horizontes. Tem cada vez menos seguidores aqui e quase nenhum no resto do planeta.
Seu herdeiro, o neopopulismo critica a atual política econômica de forma incompleta e confusa e propõe três medidas como alternativa: a) uma desvalorização do real; b) um aumento nos gastos do governo; e c) um abrandamento do regime de metas de inflação. Medidas que propiciariam o desenvolvimento sustentável. Trata-se de uma falácia, pois, se aplicada, seu resultado seria desastroso.
É incontroverso que um estímulo às exportações pela desvalorização da moeda diminui o salário real. O fomento ao comércio exterior tem que ser dado por meio de ganhos de produtividade, de uma inserção externa adequada e de melhoria da infra-estrutura, e não do empobrecimento dos trabalhadores, como proposto.
A segunda sugestão, de aumento de gastos, sem explicitar seu financiamento, é irresponsável. Em um contexto de superávit fiscal, como nas décadas de 1950 e 1970, um aumento de gastos acelera o crescimento. Entretanto, em uma situação como a atual, em que há um déficit, mais gastos promovem bolhas de expansão localizadas e pressionam os juros e o aumento de impostos. Uma insensatez.
A terceira medida, de abrandar o comprometimento com a meta de inflação, serve para concentrar mais a riqueza e manter as taxas de juros elevadas, algo que só interessa àqueles que vivem de aplicações financeiras. A inflação transfere renda dos mais pobres para os mais ricos e exige taxas de juros proporcionalmente maiores para ser estabilizada. Deve ser debelada.
É fato que os países com menos inflação crescem mais e têm juros reais menores. Uma política monetária comprometida com as metas é um remédio amargo que deve ser tomado por pouco tempo e apenas porque permite juros reais baixos por muito tempo no futuro.
O ponto é que a inconseqüência do neopopulismo faz com que suas propostas tenham pouco eco. É notório seu fracasso. Vivemos outros tempos, nos quais a racionalidade predomina. A sociedade entende que a economia é regida pela lógica, restrições, equações, oferta e demanda, que não se submetem a discursos inflamados sem substância.
A política adotada pelo governo tem falhas que devem ser corrigidas, mas está mostrando bons resultados. A taxa de crescimento do PIB será a maior dos últimos quatro governos, a economia está mais blindada em relação aos efeitos de crises e os horizontes do país estão se alargando. Mais importante é que as perspectivas estão melhorando. Podemos e devemos ambicionar mais para os anos seguintes.
Em vez de ser mudada, a política adotada deve ser aprofundada: abolindo mordomias, coibindo abusos, acabando com a corrupção, eliminando privilégios imorais, investindo apenas nos gargalos da infra-estrutura, expandindo a educação, melhorando o quadro regulatório, adotando políticas setoriais adequadas, diminuindo a inflação etc.
Basta olhar a experiência de outros países para ver que é uma fórmula que funciona. Um crescimento sustentado a taxas elevadas exige uma estratégia que esteja fundamentada em premissas sólidas e apresente coerência para que a economia brasileira retome níveis de crescimento compatíveis com seu potencial. Atalhos inconseqüentes devem ser evitados.
Somente uma retomada consistente e balanceada do crescimento viabilizará uma redução duradoura da pobreza e um aumento de oportunidades para todos os brasileiros.


Roberto Luis Troster, 54, é economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos) e professor titular da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica).


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