São Paulo, sexta-feira, 27 de setembro de 2002

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CLÓVIS ROSSI

O lobo e os ratos

SÃO PAULO - Dizem que lobo velho perde o pelo, mas não perde a manha. Aplica-se rigorosamente ao Fundo Monetário Internacional.
No mesmo dia em que um grupo de técnicos da instituição dizia que o Fundo impõe exigências demais e acaba impedindo o nascimento de políticas autóctones robustas, o economista-chefe, Kenneth Rogoff, repetia, para o Brasil, as "exigências demais". Pede um ajuste "doloroso".
Nem vou discutir de novo se é necessário ou não mais dor para ajustar a economia brasileira às demandas dos credores externos. Creio que Joseph Stiglitz, com a autoridade que lhe dá ter sido chefe dos assessores econômicos da Presidência norte-americana (primeira fase da era Clinton) e economista-chefe do Banco Mundial, já disse tudo o que havia a ser dito a respeito.
Resta avaliar as possibilidades políticas de implementar mais dor. É fácil ditar regras quando se trata de burocratas instalados em gabinetes confortáveis a milhares de quilômetros de distância, ainda por cima bem pagos (com o meu, o seu, o nosso dinheirinho, aliás, pois o FMI também é "nosso").
Duro é pô-las em práticas, no terreno. A Argentina é a demonstração definitiva de que as coisas não funcionam assim. O Fundo apoiou a barbaridade que foi a manutenção do câmbio fixo. Quando se instalou a recessão, em vez de recomendar medidas reativadoras, não só reafirmou a defesa do câmbio fixo como mandou cortar gastos, o que, como é óbvio, só acentua recessão.
Acentuada a recessão -imposta a dor, portanto-, não havia mais condições políticas e sociais para seguir adiante na receita clássica. Resultado: a Argentina está condenada ao limbo sem que se reconheça que o presente governo caiu numa armadilha gerada não por ele, mas pelos governos (e receitas) que o Fundo sustentara anos a fio.
Basta de mesmice. Já chega de fazer de países em desenvolvimento ratos de laboratório.



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