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São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 2003

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ESTADO E IGREJA

Como que a coroar a sucessão de absurdos que caracteriza o ensino religioso na rede pública fluminense, a Secretaria Estadual de Educação do Rio divulgou edital de concurso para professores de religião que prevê punições como afastamento ou demissão para o docente que "perder a fé e tornar-se agnóstico ou ateu". Quem determinará o eventual afastamento do professor é a autoridade religiosa que o credenciou para participar do concurso.
O Rio de Janeiro está substituindo o ensino religioso de caráter mais genérico (histórico-antropológico) pelo confessional. Esse golpe contra a separação entre Estado e igreja foi possível por uma conjunção de forças de católicos e evangélicos. O projeto foi apresentado pelo ex-deputado católico Carlos Dias (PP) e sancionado em 2002 pelo ex-governador evangélico Anthony Garotinho.
O pecado original do ensino religioso, contudo, não pode ser atribuído ao Rio de Janeiro. Ele está na própria Constituição de 1988, cujo artigo 210, parágrafo 1º, proclama: "O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental". A norma constitucional volta a aparecer no artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que, entretanto, veda "quaisquer formas de proselitismo". Já haveria aí argumentos para questionar a legalidade da lei fluminense.
É claro que as pessoas têm o direito de ensinar religião a seus filhos, mas que o façam em seus lares e igrejas, sem ferir a laicidade do Estado. É inadmissível até cogitar de contratar professores para cursos optativos quando faltam docentes de matérias obrigatórias como matemática e língua portuguesa.
No mais, nunca é demais insistir no fato de que foi a separação entre Estado e igreja que permitiu o surgimento das democracias contemporâneas. A Carta de 88, infelizmente, consagrou um retrocesso. O ideal seria promover uma reforma constitucional para acabar com a necessidade do ensino religioso financiado pelo Estado. É pouco provável, contudo, que parlamentares se disponham a "votar contra Deus".



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