São Paulo, sábado, 27 de dezembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A atual estratégia de combate a enchentes urbanas na região metropolitana de São Paulo é adequada?

NÃO

É preciso atacar também outras causas

ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS

UM MELHOR entendimento das enchentes da metrópole paulistana exige que voltemos nossa atenção para a equação básica desse fenômeno, por sinal comum a muitas cidades brasileiras: "Volumes crescentemente maiores de água, em tempos sucessivamente menores, sendo escoados para drenagens naturais e construídas progressivamente incapazes de lhes dar vazão, tendo como palco uma região geológica já naturalmente caracterizada por sua dificuldade em dar bom e rápido escoamento às suas águas superficiais".
Essa equação é basicamente sustentada pela cultura tecnológica da impermeabilização e da erosão com que as cidades da região metropolitana foram erguidas e se expandem e pelas condições geológicas e hidrológicas naturais da região, com seus principais rios (Tietê, Pinheiros, Tamanduateí) apresentando uma declividade muito pequena.
Com sucessivos programas de combate às enchentes, o governo paulista, há muitas décadas, tem perseguido exclusivamente o objetivo estrutural de aumentar a capacidade de vazão dos rios principais por meio de alentadas e seguidas obras de retificação, alargamento, aprofundamento e desassoreamento. Bilhões de reais foram gastos nesses serviços.
Sem dúvida, fundamental para um combate exitoso das enchentes. Mas, apesar dos elevados gastos, insuficiente; como, aliás, a realidade o vem demonstrando. Mesmo com o auxílio de já quase 20 piscinões instalados na região metropolitana.
O fato é que faz-se essencial atacar também um outro objetivo, de ordem complementar, qual seja, a reversão da cultura da impermeabilização e da erosão com que a metrópole vem se desenvolvendo, de forma a recuperar ao máximo a capacidade da região de reter a água da chuva e permitir sua infiltração, com isso reduzindo o volume e aumentando o tempo com que essas águas chegam às drenagens. Ou seja, "quebrar a outra perna" da citada equação das enchentes.
Esse objetivo, incompreensivelmente relegado pela administração pública, será atingido pelo somatório de uma série de medidas de fácil execução, como pequenos e médios reservatórios domésticos e empresariais de águas de chuva, estacionamentos, praças, quintais, calçadas, valetas, pátios e tubulações drenantes, poços e trincheiras de infiltração, intenso plantio de árvores e de médios e pequenos bosques florestados.
Os famosos piscinões, obras de alto custo de implantação e manutenção, são concebidos para cumprir hidraulicamente esse papel. Porém, pelo intenso e rápido assoreamento por sedimentos e lixo que os atinge, pelo altíssimo e perigoso grau de contaminação das águas superficiais urbanas e pelo fato de estarem inseridos em áreas urbanas densamente ocupadas, são hoje verdadeiros atentados urbanísticos, sanitários e ambientais. É uma pena que o poder público os tenha "comprado" como a panacéia para o combate às enchentes.
Uma outra fantástica causa das enchentes que precisa ser urgente e imperiosamente atacada em suas origens: o intenso assoreamento das drenagens naturais e construídas pelos sedimentos provenientes dos generalizados processos erosivos que ocorrem sobretudo na zona periférica de expansão urbana da metrópole.
A erosão resulta hoje no aporte de mais de 3,5 milhões de m3 anuais de sedimentos para o interior de córregos e rios, reduzindo em muito sua capacidade de vazão. O lançamento irregular do lixo urbano e do entulho de construção civil colabora nesse assoreamento, e é importante combatê-lo, mas é bom lembrar que os sedimentos são responsáveis por 95% do volume total do assoreamento.
Sem sombra de dúvida, somente essa abordagem mais completa do fenômeno das enchentes propiciará aos paulistanos, se não a eliminação total do problema, a drástica e civilizada redução de sua freqüência e intensidade.


ÁLVARO RODRIGUES DOS SANTOS , geólogo, é consultor em geologia de engenharia, geotecnia e meio ambiente. Foi diretor de Planejamento e Gestão do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) e diretor da Divisão de Geologia. É autor, entre outras obras, de "Geologia de Engenharia: Conceitos, Método e Prática".

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