São Paulo, Domingo, 28 de Fevereiro de 1999
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O complexo de Masada


CLÓVIS ROSSI

São Paulo - Masada é uma fortaleza no topo de uma montanha no deserto da Judéia (Israel). Lá, no ano 66, um grupo de cerca de mil judeus entrincheirou-se para resistir aos romanos.
A resistência durou sete anos, até que, sob o cerco de 15 mil soldados de Roma, todos os judeus se mataram, exceto duas mulheres e cinco crianças.
Hoje, os recrutas das unidades blindadas de Israel prestam juramento exatamente em Masada, ao grito de "Masada jamais cairá de novo".
Judeus mais críticos cunharam uma expressão baseada na fortaleza para definir o que consideram o estado de espírito de seus compatriotas que se sentem permanentemente assediados pelo inimigo: "Complexo de Masada".
Foi essa expressão que me veio à cabeça ao receber, na quinta-feira, um telefonema do ministro Paulo Renato (Educação), para queixar-se da coluna publicada naquele dia, criticando os cortes nos programas sociais.
Não pela queixa em si. Faz parte do jogo que governantes reclamem do jornalismo. E, quando não reclamam, em geral não é porque estejam fazendo a coisa certa, mas porque o jornalismo é que está errando em algo.
A idéia de que o governo sente-se em uma Masada tropical, cercado por inimigos de todos os lados, veio da seguinte frase do ministro: "A imprensa está tendo orgasmos com a crise".
Não é bem assim. Jornalistas não gostam, por exemplo, de acidentes de avião. Mas acidentes de avião ocorrem, e os jornais noticiam, sem ter orgasmos por isso, salvo um ou outro tarado que sempre existe.
O que houve no Brasil foi um desastre cambial, não aviatório. A mídia está registrando (ou ao menos tentando) todos os desdobramentos do desastre. Nada mais. Não há, pois, motivo para ter "complexo de Masada", até porque os judeus foram vencidos pela pura força do inimigo, ao passo que o governo chegou ao desastre por pura teimosia, incompetência, erro de cálculo ou seja o lá que for.


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