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TENDÊNCIAS/DEBATES
O pacote de microcrédito do governo terá efeito relevante sobre a economia?
NÃO
O microcrédito e o sistema financeiro
FERNANDO CARDIM
O governo federal anunciou medidas de estímulo à realização de
operações de microcrédito por parte do
sistema bancário. Segundo a imprensa,
é a expectativa do presidente Lula que
esse conjunto de medidas ajude a reduzir os juros cobrados pelos bancos em
suas operações de empréstimo.
Não há a menor dúvida de que a ampliação do acesso a serviços financeiros
para várias camadas da população, até
aqui excluídas desse mercado, é mais do
que urgente, é quase um direito de cidadania. Também não há dúvidas de que
as taxas de juros cobradas pelas instituições bancárias estão muito além do razoável, e um dos determinantes mais
importantes dessas taxas é o elevado
grau de monopólio do setor. É, porém,
muito duvidoso que o pacote de medidas voltado para o primeiro desses problemas possa dar também contribuição
significativa à solução do segundo.
O microcrédito foi criado especificamente para atender os excluídos do
mercado financeiro, seja porque o valor
dos seus negócios é irrisório, não atraindo as instituições financeiras, seja porque os demandantes de recursos nesse
segmento geralmente não têm condições de oferecer nenhuma garantia de
seus empréstimos. O microcrédito é
uma forma de atender à demanda daqueles que não conseguiriam despertar
o interesse dos bancos, substituindo-se
os mecanismos normais de concessão
de crédito por outros mais adequados a
essa clientela.
É óbvio que microcrédito é um instrumento de política social, mais do que de
política econômica. Ele atinge uma
franja de tomadores potenciais que não
seria atendida pelo sistema bancário em
nenhuma circunstância. Por essa razão,
não há como esperar que tais iniciativas
tenham impacto nos mercados formais
de crédito. Não é porque há uma multidão de microempresários competindo
por crédito que as taxas de juros no Brasil são elevadas, mas, sim, a despeito da possível existência desses tomadores. A
criação de canais de atendimento desse
segmento em nada afetará as condições
nos mercados formais de crédito.
Na verdade, apesar da nota da Febraban simpática às medidas, é altamente
improvável que elas surtam efeitos sobre os bancos privados. Microcrédito é
tarefa para bancos públicos e para
ONGs. O que todos esperamos da normalização do mercado financeiro,
quando a dívida pública deixar de ocupar os balanços bancários na extensão
em que o faz atualmente, é a oferta de
crédito a pequenas e médias empresas
(já que as grandes mantiveram seu acesso a empréstimos), que são os grandes
geradores de renda e emprego no Brasil.
Para os bancos privados, os negócios
que podem ser feitos com clientes de
microcrédito simplesmente não oferecem atrativos (exceto como esforço de
relações públicas, similar ao que acontece com o Fome Zero).
A inadimplência é realmente reduzida
no microcrédito, mas o retorno da oferta de crédito em si é baixo, e não é uma
operação que cria clientela para outros
serviços oferecidos pelos bancos. Além
disso, custos operacionais devem ser
elevados, pela necessidade maior de
atendimento físico do cliente. Do mesmo modo, os mais pobres não têm contas em bancos não porque se exijam
muitos documentos, mas porque aos
bancos não interessam depósitos de pequeno valor. Não será surpreendente se
os bancos preferirem, na verdade, manter recursos no compulsório para evitar
prejuízos com essa linha de negócios.
Finalmente, deve-se ainda lembrar
que o microcrédito serve para permitir
que pessoas de baixa renda, mas com
capacidade empresarial, possam concretizar seus planos. A costureira que
pode comprar a máquina de costura, o
futuro comerciante que pode abastecer
sua pequena quitanda etc. são os alvos
do microcrédito. Isso simplesmente
não é alternativa para os milhares de desempregados que a política macroeconômica do governo está despejando nas
ruas. Estes não serão atingidos pelo pacote, porque não buscam crédito, mas
emprego; e empregos não são gerados
nas condições recessivas em que a economia brasileira foi colocada pela surpreendente decisão do novo presidente
em prosseguir com (e radicalizar) as estratégias herdadas do governo anterior.
Em suma, o microcrédito é um instrumento potencialmente importante de
política social, mas dificilmente a expectativa do presidente de conseguir reduzir os juros de mercado será alcançada
por esse caminho. Mesmo como política social, o microcrédito não é uma panacéia, porque está voltado a uma pequena fração dos mais pobres, mas, como política econômica, esse instrumento não teria maior relevância, ainda que
não tivesse de enfrentar o gigantesco
dano que está sendo criado pelo próprio
governo ao promover a estagnação da
economia e o crescimento do desemprego. Sobrecarregar o microcrédito
com metas como obter redução de juros
é condená-lo ao fracasso, antes mesmo
que ele entre em operação.
Fernando J. Cardim de Carvalho é professor
titular do Instituto de Economia da Universidade
Federal do Rio de Janeiro.
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