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São Paulo, quinta-feira, 28 de agosto de 2003

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ELIANE CANTANHÊDE

Os companheiros

CARACAS - Até 99 eu nunca tinha pisado na Venezuela e não sabia nada do país, a não ser que tinha petróleo, era vinculado aos EUA e escapara das ditaduras militares que varreram o continente nos 60 e 70. Ponto.
Quatro anos depois, estou aqui pela quinta vez, quebrando a cabeça para entender o que se passa e que raio de fenômeno é esse Hugo Chávez. O mesmo aconteceu com dezenas de empresas brasileiras. Elas nunca se interessaram pela Venezuela. Hoje, estão "acá" de malas e bagagens.
Esse movimento é resultado da estratégia de Chávez. Podem dizer que o homem é louco, mas ele sabe o que quer, e seu governo tem rumo. A Venezuela sempre dependeu dos EUA e agora dá essa guinada rumo ao sul. Olhar ao sul significa olhar o Brasil.
Chávez, assim, descobriu o Brasil. E o Brasil, as empresas e a mídia nacional descobriram a Venezuela -desde FHC, justiça seja feita.
Antes, os empresários venezuelanos sentavam em cima do petróleo e apostavam em negócios, apartamentos e amantes em Miami. Hoje, tentam se voltar para dentro, construir uma planta industrial, inserir a Venezuela no mundo e entender que há vida além do petróleo e dos EUA.
Isso favorece diretamente o Brasil, porque é a fome com a vontade de comer. A Venezuela tem petróleo, mas não tem indústria. O Brasil tem indústrias ávidas para se expandir.
Lula e Chávez são a esquerda do continente e a busca (no Brasil, discretíssima) de alternativas ao neoliberalismo dos 90. Ambos são amigos do peito de Fidel e usavam vistosas gravatas vermelhas no encontro de anteontem. Símbolos, símbolos.
E por que Lula sai com essa de que nunca foi de esquerda? Porque, depois do neoliberalismo, vem a neo-esquerda, que quer mudanças sociais e mantém forte traço nacionalista, mas sonha uma nova ordem internacional e não rechaça parcerias com o setor produtivo. Nem os dólares.
No início do século, portanto, o sul se volta para o sul, e certa esquerda, empresários e militares se voltam uns para os outros. Quem fica de fora? Sei lá. A ultra-esquerda, a ultradireita e os "yankees"?


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