São Paulo, quinta-feira, 28 de novembro de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Aprendizagem já!

NEWTON LIMA NETO

O resultado do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) divulgado pelo MEC (Ministério da Educação) revela a situação dramática da educação no país. Três quartos dos brasileiros que concluem essa etapa final da educação básica demonstram desempenho de insuficiente a regular.
Esses resultados, somados àqueles conhecidos para o ensino fundamental e a outros obtidos por nossos estudantes em certames internacionais, dão conta de uma dura e cruel realidade: nossas escolas não estão cumprindo sua função de ensinar.
Dois fatores centrais concorrem para isso: a exclusão social e o fracasso na formação dos professores.
A primeira causa, derivada da pobreza e do desemprego, precisa ser atacada com crescimento econômico e fortes investimentos em políticas de inclusão. A segunda demanda uma urgente cruzada pela valorização dos educadores.
Tomando a área de matemática como exemplo, no Exame Nacional de Cursos de 2001 a média dos graduandos foi de 1,68/10, e a dos licenciandos, na parte discursiva, de 0,8. Portanto a expressiva maioria dos futuros professores de matemática não domina o conteúdo que deve ser ensinado no ensino médio.
Segundo a Sociedade Brasileira de Matemática, "aproximadamente 70% dos professores dessa área estão sendo formados em cursos noturnos de faculdades de baixa qualidade acadêmica. Esses professores estão atuando em cursos de licenciatura em matemática, multiplicando e repassando sua péssima formação para futuros professores".
Não tem havido de fato uma política clara e determinada para a formação e a valorização do magistério. As universidades públicas mantêm-se, no geral, alheias a esse drama brasileiro. Sem mestres bem formados, permanentemente atualizados e bem remunerados, continuaremos a nos defrontar e surpreender com estatísticas amargas em termos de qualidade de ensino.
O Fundef (Fundo de Desenvolvimento do Ensino Fundamental) pouco contribuiu para a solução desse problema. Eliminou, é verdade, salários indigentes que existiam no interior do país, mas não promoveu a valorização necessária da profissão docente. Parte significativa dos professores, segundo a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação, ganha hoje apenas o salário mínimo. Com ínfimos recursos adicionais da União da ordem de 3% do Fundo, o MEC resignou-se a distribuir dos recursos disponíveis entre Estados e municípios, numa política de nivelamento por baixo de um problema que exige aportes substantivos de recursos federais. Além disso, ao optar por não cumprir o valor mínimo anual por aluno estipulado pela lei, o governo federal abandonou Estados e municípios à sua própria sorte. Os resultados dessa política de Estado mínimo na educação estão sendo colhidos ano após ano.


Não tem havido de fato uma política clara e determinada para a formação e a valorização do magistério


Para se ter uma idéia das consequências dessa política, o salário médio nacional de cerca de R$ 400 coloca o Brasil na quarta pior média salarial entre 32 países de economia equivalente, segundo pesquisa da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) e da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Outro dado assustador: no Estado de São Paulo são investidos no ensino fundamental público R$ 91 por aluno por mês e, no ensino médio, apenas R$ 69. Os índices de aprendizagem não podem, desse jeito, revelar resultados mais promissores.
Com a eleição de Lula, a escola brasileira vive um momento de grande esperança de que se possa, enfim, iniciar o processo de reversão desse triste quadro. Seu projeto de governo para a área elenca, dentre outras propostas, os seguintes pontos que, articulados, servirão de instrumento para valorização e a retomada da auto-estima do corpo docente: implantação de piso salarial nacional e progressão funcional fundada na titulação, na experiência e no desempenho aferido pelos compromissos apontados pelo projeto político-pedagógico; aperfeiçoamento dos profissionais da educação com o envolvimento de todas as universidades; implantação de laboratórios de informática, bibliotecas e salas multimídia em todas as escolas públicas de ensino fundamental e médio; instituição do Sistema Nacional de Educação com a finalidade de articular as ações educacionais de União, Estados e municípios; criação do Fórum Nacional de Educação, encarregado de promover conferências nacionais para avaliar e acompanhar a execução do Plano Nacional de Educação; redefinição das competências no regime de colaboração propugnado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação a ser implantado entre os entes federados e instituição do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Magistério em substituição ao Fundef para acolher a educação infantil, média e de jovens e adultos.
Uma das ações prioritárias do governo Lula nessa direção será reexaminar os vetos do presidente Fernando Henrique Cardoso do Plano Nacional de Educação, criando as condições para que, através do esforço com a União, Estados, Distrito Federal e municípios, o percentual de investimentos públicos alcance 7% em relação ao PIB.
Serão os primeiros passos para a construção de uma escola em que os alunos efetivamente aprendam, transformando-se em agentes capazes de impulsionar nosso desenvolvimento com cidadania.


Newton Lima Neto, 49, é prefeito de São Carlos (SP) e ex-reitor da Universidade Federal de São Carlos. Foi coordenador do programa de educação da Coligação Lula Presidente


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