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CLÓVIS ROSSI
A morte dos sobreviventes
SÃO PAULO - Por doloroso que pareça, o assassinato do prefeito Celso Daniel não foi o fundo do poço.
O Brasil caiu um pouco mais quando se espalhou o rumor de que havia uma relação homossexual entre o
prefeito e o empresário Sérgio Gomes
da Silva. O subtexto claro (e fascistóide, como bem apontou Fernando de
Barros e Silva, no sábado) é o seguinte: crime não é a execução de um ser
humano, mas o fato de ele ser supostamente homossexual.
Junto com esse tipo de lixo, veio o
emaranhado das investigações a respeito de supostas irregularidades cometidas por prestadoras de serviços à
Prefeitura de Celso Daniel.
Não há nada de comprovado, nunca o noticiário amarrou o crime às
supostas irregularidades, mas ficou
flutuando no ar uma nódoa. Se o prefeito fosse um estadista, tal como o
designou o governador Geraldo Alckmin, o crime seria mais grave, porque
revelaria a vulnerabilidade até de figuras de grande valor.
Mas, se fosse apenas mais um desses
políticos cujas ações exalam mau
cheiro aos olhos do público, mesmo
que não se saiba bem o que ele fez, aí
o crime cairia de graduação.
Ficou só faltando perguntar: se o
prefeito era agente de maracutaias,
por que matá-lo?
Mas, feita essa pergunta, a vítima
voltaria a ser apenas vítima, o crime
voltaria ao patamar de gravidade
anterior e o seu esclarecimento voltaria a ser questão de urgência.
Bem feitas as contas, Celso Daniel
foi quem menos mal se saiu nessa história. Morreu uma só vez. Os sobreviventes, ao menos os que ainda conseguem pensar e, por extensão, indignar-se, morrem um pouco a cada dia,
sepultados no lixo gerado por uma
sociedade levada a um estágio sem
igual de selvageria e autofagia pela
falência do poder público.
Afinal, gostem ou não os adoradores do mercado, seria o único poder
capaz de estabelecer e fazer respeitar
regras civilizatórias em um país que
se tornou bárbaro.
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