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São Paulo, sábado, 29 de março de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

A fome da fome

RIO DE JANEIRO - Em crônica desta semana, em que elogiava o presidente da República por sua firme atitude ao desconhecer um pedido dos Estados Unidos a respeito da guerra no Iraque, aproveitei a oportunidade para criticar o programa Fome Zero.
É evidente que a fome é problema prioritário que exige solução do Estado, mas não através de uma cruzada emergencial, um mutirão piedoso, escorado na solidariedade e operado pela mobilização da sociedade.
A tarefa de movimentar uma grande massa popular contra a fome, por simpática que seja, extrapola o Estado, que, dispondo de adequada estrutura econômico-administrativa, possuído por vontade política, pode resolver o problema, priorizando o combate não à causa, mas às causas da fome, que qualquer petista maior de 12 anos de idade está cansado de saber: maior produção, melhor distribuição e mais consumo.
Para o aumento da produção, é necessário implantar a reforma agrária (e não simples assentamentos de terra). Para melhor distribuição, é urgente ampliar a malha rodoviária e a construção de silos. E é preciso, sobretudo, algo superior aos US$ 70 no bolso do consumidor, ponto terminal do problema. As três coordenadas, essas, sim, são funções do Estado.
Fiquei assombrado quando, na semana passada, vi a compacta publicidade, fruto de uma doação dos publicitários -segundo me informaram. Considerei-a suspeita, não em relação ao uso do dinheiro público, que não houve, mas em analogia com outras doações feitas por uma modelo e uma emergente social.
A classe dos publicitários é uma referência de lucidez e pragmatismo, de seriedade e competência profissional. Boa intenção à parte, os anúncios escancararam a fragilidade do programa, que cada vez mais se aproxima das campanhas assistenciais que arrecadam cobertores para vítimas de enchentes e vacinas para surtos de meningite.
Enchentes e epidemias são emergenciais, e merecem combate emergencial. A fome não. Como endemia, exige erradicação definitiva.


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