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CARLOS HEITOR CONY
A fome da fome
RIO DE JANEIRO - Em crônica desta semana, em que elogiava o presidente da República por sua firme atitude
ao desconhecer um pedido dos Estados Unidos a respeito da guerra no
Iraque, aproveitei a oportunidade
para criticar o programa Fome Zero.
É evidente que a fome é problema
prioritário que exige solução do Estado, mas não através de uma cruzada emergencial, um mutirão piedoso, escorado na solidariedade e operado pela mobilização da sociedade.
A tarefa de movimentar uma grande massa popular contra a fome, por
simpática que seja, extrapola o Estado, que, dispondo de adequada estrutura econômico-administrativa,
possuído por vontade política, pode
resolver o problema, priorizando o
combate não à causa, mas às causas
da fome, que qualquer petista maior
de 12 anos de idade está cansado de
saber: maior produção, melhor distribuição e mais consumo.
Para o aumento da produção, é necessário implantar a reforma agrária
(e não simples assentamentos de terra). Para melhor distribuição, é urgente ampliar a malha rodoviária e
a construção de silos. E é preciso, sobretudo, algo superior aos US$ 70 no
bolso do consumidor, ponto terminal
do problema. As três coordenadas,
essas, sim, são funções do Estado.
Fiquei assombrado quando, na semana passada, vi a compacta publicidade, fruto de uma doação dos publicitários -segundo me informaram. Considerei-a suspeita, não em
relação ao uso do dinheiro público,
que não houve, mas em analogia
com outras doações feitas por uma
modelo e uma emergente social.
A classe dos publicitários é uma referência de lucidez e pragmatismo,
de seriedade e competência profissional. Boa intenção à parte, os anúncios escancararam a fragilidade do
programa, que cada vez mais se
aproxima das campanhas assistenciais que arrecadam cobertores para
vítimas de enchentes e vacinas para
surtos de meningite.
Enchentes e epidemias são emergenciais, e merecem combate emergencial. A fome não. Como endemia,
exige erradicação definitiva.
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