São Paulo, segunda-feira, 29 de abril de 2002

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EDITORIAIS

LE PEN E A DEMOCRACIA

"Ninguém pretende que a democracia seja perfeita ou sem defeito. Tem-se dito que a democracia é a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos." A frase é do estadista britânico Winston Churchill (1874-1965) e coloca, com rara sinceridade, o fato de que as democracias possuem, como todos os sistemas políticos, uma série de limitações.
A passagem do líder de extrema direita Jean-Marie Le Pen para o segundo turno das eleições presidenciais francesas oferece a oportunidade para refletir sobre algumas dessas imperfeições. Na hipótese, altamente improvável, de que o dirigente da Frente Nacional seja sagrado presidente no próximo domingo, a democracia francesa terá sido estendida a seus limites máximos.
Alguns defenderão que uma eventual entronização de Le Pen não constitui ameaça à democracia. A vontade popular teria sido observada e isso bastaria para satisfazer a liturgia democrática. Na verdade, as coisas são um pouco mais complexas.
Numa democracia, tão importante quanto a expressão da vontade da maioria é a defesa de um núcleo de direitos fundamentais. Sem esse requisito prévio e inegociável, até Adolf Hitler, que foi eleito em 1933, teria de ser considerado um democrata, o que seria um evidente absurdo.
Para que Le Pen se inscrevesse dentro da ordem democrática, teria de ignorar a maioria das bandeiras que vem defendendo nos últimos 30 anos. São projetos que, na prática, resultariam na criação de campos de internamento para imigrantes ilegais, no restabelecimento da pena de morte (por guilhotina) e na censura à imprensa, entre várias outras violações de princípios republicanos. É evidente que, se a França desse tais passos, não poderia mais ser considerada um Estado democrático.
Paradoxalmente, a democracia tem de aceitar e conviver com tipos como Le Pen, sejam eles da extrema direita ou da esquerda radical. É aí que a democracia se diferencia dos totalitarismos e, em que pese conservar uma série de limitações, se torna o menos pior dos regimes políticos.


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