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CLÓVIS ROSSI
Kirchner, o PT de ontem
BUENOS AIRES- Vamos supor que,
uma vez na vida, lógica e Argentina
se encontrem e, ainda por cima, o façam nas urnas do segundo turno. Se
for assim, ganha Néstor Kirchner, o
peronista que faz o discurso que o PT
fazia até render-se ao terrorismo dos
mercados.
Seria uma oportunidade de ouro
para que Brasil e Argentina conseguissem, finalmente, levar o entendimento entre seus governos além das
juras de amor eterno e das sucessivas
crises, de um lado, do outro ou de
ambos, que acabaram por jogar o
Mercosul para a hibernação.
Daria, por exemplo, para pelo menos tentar discutir a sério a tal reforma da arquitetura do sistema financeiro internacional com o objetivo de
reduzir o peso da dívida sobre os respectivos Tesouros.
Kirchner, a esse respeito, leva considerável vantagem sobre Lula: pode
dizer o que quiser (sensato ou louco,
incendiário ou necessário) sem provocar maiores estragos no risco-país,
porque este, no fundo, mede as chances de um país dar o calote. Como a
Argentina já deu...
Kirchner tem dito que, para renegociar a dívida argentina, quer um
bom desconto e prazo de 50 anos para o repagamento.
Ninguém o internou por isso. Nem
o dólar disparou ontem (até caiu),
mesmo depois de confirmado que ele
estará no segundo turno (contra Carlos Menem, o candidato preferido dos
mercados, mas com uma baita rejeição entre os eleitores).
Kirchner adotou um discurso que
era o do PT antes. Diz, uma e outra
vez, que a eleição argentina significa
escolher entre dois modelos, o dele
("da produção, do trabalho e da inclusão") e o de Menem ("da exclusão,
da miséria").
É apenas retórica? Pode ser. Quase
tudo em política é retórica. Mas,
quem sabe se ouvindo música que já
tocou, o PT se anime a falar e a fazer
mais pela produção, pelo trabalho e
pela inclusão.
Afinal, há uma canção política chilena (ou mexicana, não me lembro)
que diz: "Juntos, somos mucho más
que dos".
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